15 de Janeiro, reviveram-se as tertúlias poéticas

Dia 15 de Janeiro de 2015, no Legendary Café, em Sintra, poetas e poesias voltaram a reunir-se à beira da lareira espiritual, recordando outras tertúlias e outras dimensões, holográficas para muitos, perenes para quem nelas participou. Poetas e não só, com o apoio da Alagamares e da Caminho Sentido-Associação Cultural reuniram-se os exércitos da Palavra Escrita que foi espalhada na noite, onde catalépticas almas, toldadas por líquidas emoções, as capturaram. Foi o Sínodo dos Poetas, incendiando a fria noite de Janeiro.

Intervieram, entre outros, Jorge Telles de Menezes, Rui Lopo, Rui Bráz, João Rodil, etc.A próxima sessão está já programada para 26 de Fevereiro.

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ALGUM PASSADO

Tem história a tradição das tertúlias poéticas em Sintra.Nos anos noventa ocorreram tertúlias no Cunhas Bar, no Cacém, com Paulo Campos dos Reis, que editavam umas impressionantes plaquetes, influenciadas pelo ambiente mágico das tertúlias do Pinguim Bar, no Porto, com o malogrado Castro Caldas. Depois aconteceram coisas mais ou menos avulsas em Mem Martins, no Arte Café, na livraria Astrolábio e no Barxismo. Mas a grande explosão que enraizou o hábito da poesia, pela sua regularidade, com parte de performance, parte de convívio e parte de doação do palco a convidados começou na Tasca Latina, com as suas segundas feiras de poesia, muito pela mão de Rui Mário. Estas sessões duraram bastante e criaram ou reforçaram um grupo de Amigos da Poesia que resistiram ao tempo.

Os grupos de teatro mantiveram sempre a poesia viva, sob a forma de espectáculos alguns bastante marcantes (Orbesirindo, Sintonic Lab, Pantónicas!), mas as tertúlias foram momentos mais laboratoriais e abertos, onde houve grande espaço para o improviso e a descoberta para muitos que de outro modo nao teriam chegado à Poesia.
Segundo Rui Lopo, pioneiro dessas iniciativas, essas tertúlias da Tasca Latina confundem-se com o período dos fanzines que, antes da idade digital muitos se entretinham a fazer. O Raio, o Vamosokinteressa (dinamizada por André Beja) ou o Corpo, em finais dos anos 90, tinham uma forte componente poética e de revelação de talentos. Regularmente ocorriam apresentações públicas dessas revistinhas em que a poesia ia comparecendo de forma bem forte.  Até se imprimiram t-shirts para todos os colaboradores do Fanzine Corpo, com versos da Ana Marques, mais tarde proprietária do desaparecido bar 2 ao Quadrado. Partilhava-se uma forte crença de que era preciso recolocar a poesia na rua, e havia também uma componente de reflexão concelhia, daí que muitos se interrogassem, em textos e iniciativas, como no colóquio Desejos Urbanos, organizado por Rui Lopo, Rui Braz e Gabriela Caetano, entre outros, com apoio da Cooperativa Veredas. Se existia uma poesia suburbana, onde está hoje a autoconsciência “identitária” dos novos sintrenses que habitam na faixa que vai de Massamá a Mem Martins? Daí surgiram novas textualidades e modos de arte naqueles anos 90 (e de que os recentes romances de Sandro Junqueira e Pedro Vieira são expressão clara).

E chega 2004, e os Meninos d’Avó.

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“A ideia já é antiga. Reunir poetas, actores, leitores, ouvintes. Reunir seres humanos em redor da mais acolhedora das lareiras: a Poesia. Saudosos de outras tertúlias que o tempo consumou e consumiu, sentimos chegada a hora de retomar o hábito de nos desabituarmos da vida em prosa. Eis-nos regressados ao convívio das palavras!”. Assim se apresentava em Dezembro de 2004 um grupo de artistas e poetas de Sintra que durante cerca de 3 anos se reuniu, e reuniu a família da poesia, em torno da tertúlia Meninos da Avó.

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Reunidos informalmente nas primeira e terceira 4ª feiras de cada mês, na desaparecida Casa da Avó, perto do palácio Valenças, onde hoje se encontra um hotel, ali se discutiram ideias, apresentaram livros e soltaram poemas, impulsionados por figuras como Jorge Telles de Menezes, Rui Lopo, Rui Brás e outros. E  muitos foram os cúmplices em torno da lareira literária: António Naud Júnior, Fernando Dias Antunes, Paulo Brito e Abreu, Francisco Palma Dias, Nuno Vicente, Fernando Grade, Helena Langrouva, Miguel Real, Luís Filipe Sarmento, Alexandre Vargas, António Salles, Rui Mário e Pedro Hilário, Manuel Silva Ramos, Filomena Marona Beja, Ricardo Rodrigues, Duarte Braga, Diogo Carvalho, Maria Almira Medina e outros. 

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Manuel Silva Ramos e Miguel Real

Durante 52 sessões e até Dezembro de 2007, Sintra bebeu da palavra dos Meninos e escutou os Mestres, inicialmente nesse espaço, posteriormente demolido para dar lugar a um hotel, e, a partir de 2006, em locais como o Regalo da Gula, na Quinta da Regaleira, no bar 2 ao Quadrado, ou no restaurante Culto da Tasca.

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                                                                               Rui Lopo, Fernando Grade e Jorge Telles Menezes

Do espólio desse baú, sagrado e maldito, um poema de Fernando Grade, do seu livro “Sempre tive um vinho muito ciumento”

A maior morte que aconteceu na minha infância

foi Billy the Kid.

Por esse tempo há muito tempo passaram

frutos e pedras e, então, havia aves a descerem

para o mar, havia névoas da cor das uvas

moscatéis e, talvez, a salsugem

e as sestas saboreadas dormidas em cima da caruma

nos Capuchos; era uma altura

em que o teu corpo ainda não me ameaçara

com o mar dos feitiços.

Volto atrás e sou meninos

tenho uma madrinha que era fanática

pela praia da Adraga:

os méis ainda estavam todos vivos,

não havia um verme lustroso

a roer a maçã,

foi numa noite de Verão com vento

que apareceu morto Billy the Kid

apunhalado na minha caixa dos brinquedos.

Agora quando vou aos Capuchos são outros os meus fantasmas:

o teu corpo está à beira do tempo:

os segredos que nos uniram

a mim e à parte fumegante que de ti resta

são como trapos sangrentos;

olho para o retrato da tua boca

como se fosses feita de

Lama,

nuvens que nunca vi.

Mas gostava da maneira como tratavas as plantas:

as plantas são crianças indefesas

que sentem as catástrofes

lambem a neve das estradas.

Vivi uma destas tardes a praia toda

o mar fulo, rebolei-me na areia velha onde cresci alguns verões,

lá estavam os mirones, porventura os filhos dos outros mirones,

o coxo sábio e o maneta,

tudo a cheirar a chuva e a muito sal,

as casas grandes eram sempre neuróticas

ter uma casa enorme aberta às brisas

era como sustentar uma rapariga neurótica.

Bem, havia sombras afugentadas por olhos de

pedra, lábios submersos por maçãs

vinhedos, o sabor bruxo dos pêssegos

a resina a escorrer para o rio de Colares

A praia da Adraga

foi o vinho mais feliz da minha vida.

IMG_3162Ver também em Selene- Culturas de Sintra

http://www.selene.pt/lmeninos-da-avo-indice

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