A vida insólita do último capitão mor de Sintra

O capitão das Ordenanças Máximo José dos Reis teve um papel marcante e singular na vida política e social de Sintra.
À escala local viveu e participou direta ou indiretamente em acontecimentos de âmbito nacional cujas repercussões marcaram de forma dramática a sua vida.


A realidade portuguesa de finais do Antigo Regime apresenta um gradual declínio das instituições senhoriais e um gradual fortalecimento de uma sociedade organizada em torno de diversas instituições locais, que gerem entre si equilíbrios de poder e de influência. Destas, as Ordenanças refletiam um importante instrumento de poder e prestígio no município, cumprindo uma função essencial: listar, localizar, isentar e recrutar homens para o exército. Por essa via consolidou um importante estatuto social, conquistando, gradualmente, todos os cargos públicos relevantes e culminando com a eleição, em 1812, para Capitão-Mor das Ordenanças de Sintra e Colares.

Máximo José dos Reis (n. Janeiro de 1769, filho de João Alberto dos Reis e Marianna Rita de Jesus Luís, falecido a 2 de Maio de 1849 em Sintra) foi o último Capitão-Mor de Sintra e Colares a desenvolver em plenitude as suas funções entre Agosto de 1813 e Junho de 1828 e o primeiro Presidente (da Câmara Municipal de Sintra) eleito do novo regime Constitucional estabelecido após a vitória liberal de 1833 e a aclamação de D. Maria II. Exerceu o mandato de presidente da Câmara até ao dia 4 de janeiro de 1836. Apesar de pessoa discreta e regrada, Manuel Pinheiro Chagas, na sua História de Portugal denominou–o de «opulentíssimo»


Foi um grande proprietário rural e urbano, e possuidor das Quintas dos Pisões, Penha Longa, da Alegria ou Seteais, do Rio do Porto, do Ano Bom, da Portela e diversos edifícios na vila de Sintra, como o, ainda em funcionamento, Hotel Lawrence.


Contribuiu, durante as invasões francesas, com 120$000 reis anuais para o exército português, e frequentemente, abonou do seu bolso o magro cofre da Câmara Municipal de Sintra para fazer face a todo o tipo de despesas, nomeadamente de assistência aos expostos.


O seu casamento com D. Maria do Rosa do Carmo ocorreu, a 19 de fevereiro de 1800, na Igreja de S. João Degolado da Terrugem. A noiva era filha do empreiteiro de obras públicas mestre canteiro Domingos Pereira e de sua mulher Maria Joaquina. Faleceu Nos Paços Reais de Sintra a 19 de fevereiro de 1817 na sequência de problemas pós-parto no dia de aniversário de casamento.

O prestígio e riqueza que conseguiu, trouxe-lhe invejas e ódios de alguns representantes de famílias da elite local, nomeadamente, do seu eterno rival, o capitão Policarpo Joaquim de Fontes.


O irmão mais velho João Clímaco dos Reis, também um íntegro oficial das ordenanças, foi perseguido e preso injustamente pelo mencionado Policarpo. O Conselho de Guerra ditou uma pena ligeira, imediatamente perdoada pelo Marechal William Carr Beresford, comandante supremo do exército que foi sensível às alegações de defesa.


Mas um trágico acontecimento viria a marcar decisivamente a sua vida: o assalto a uma comitiva de professores da Universidade de Coimbra, ocorrido em Condeixa a 18 de Março de 1828, quando o infante D. Miguel, recentemente regressado do exílio em Viena, se preparava para a usurpação do reino contra as diretrizes de D. Pedro IV.


Nele foi implicado o seu filho Domingos Joaquim, de 20 anos de idade, membro do Batalhão de Voluntários Académicos de Coimbra, assim como outros estudantes liberais, que integravam um grupo chamado os “Divodignos”.

O processo judicial foi concluído de forma rápida e superficial, sem que os jovens, alguns de menoridade, pudessem defender-se. Três meses depois, seriam enforcados, entre eles Domingos Joaquim, filho de Máximo, a 20 de Junho de 1828. no Cais do Tojo, em ato a que assistiu muito público. Os estudantes sempre clamaram a sua inocência.

O Sargento-Mor Policarpo de Fontes, preterido na corrida para Capitão-Mor em janeiro de 1812, foi quem mais se movimentou contra Máximo, conseguindo o seu objetivo em 1828 no advento do miguelismo, e sendo nomeado Capitão-Mor depois de uma luta de 16 anos para conseguir o ambicionado cargo.

No entanto, foi sol de pouca dura, pois algo de grave terá sido descoberto pela donatária da vila de Sintra, a rainha-mãe D. Carlota Joaquina, que não se inibiu de o demitir em maio de 1829, menos de um ano depois da posse; “que por justos motivos dignos da Sua Real Consideração e por não convir a Seu Imperial e Real Serviço houve por bem demitir do posto de Capitão-Mor das Ordenanças desta vila a Policarpo Joaquina de Fontes”. Terá nisso pesado o facto de Máximo José dos Reis ser compadre e grande amigo do almoxarife do Ramalhão João dos Santos, homem de total confiança (e não só…) da dita senhora?

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Depois de julho de 1828, teve de se exilar em Paris até 1834. Durante esse período difícil, o seu genro, Michael David Gallwey, assumiu uma tarefa fundamental para a estabilidade dos negócios familiares, permitindo que Máximo José continuasse a gerir os seus negócios à distância durante seis anos, constituindo Gallwey seu procurador com plenos poderes.


Apesar de ser uma figura característica do Antigo Regime, Máximo dos Reis foi escolhido e reconhecido pelo regime liberal vitorioso, pelas suas qualidades morais e cívicas. Foi, assim, o primeiro Presidente da Câmara de Sintra eleito em dezembro de 1834, desenvolvendo no ano seguinte um ano de mandato com reformas importantes ao nível da gestão e ação social do município.


Máximo José dos Reis, não tinha estudos superiores, mas mesmo assim foi nomeado pela Junta Governativa do Concelho de Sintra em junho de 1846 – após a revolta da “Maria da Fonte” – Juiz de Direito Interino. A Junta demitira o Juiz da Comarca Morais e Sousa que tinha participado na falsificação dos votos entrados nas urnas e “…era um dos mais salientes estorquidores do dinheiro do Povo…”.

Morreu em Sintra, nos Pisões, a 2 de Maio de 1849, aos 80 anos de idade.

Os Pisões


Quanto à Quinta dos Pisões, Máximo adquire-a em hasta pública em 1810 depois de uma execução movida a António Valeriano de Souza Prego, Manuel Joaquim de Souza Prego e sua mulher D. Ana Justina de Freitas (a quem Máximo compra em 1811 as casas e quinta do Campo Semite de Seteais, num processo litigioso onde também participam Francisco Pedro de Souza Prego e Fernando Arsénio de Souza Preg
Em 1828, dois dos filhos que consigo aí viviam tiveram destinos trágicos. O filho mais velho, suicidou-se num tanque. O mais novo, estudante em Coimbra, como já referido acima, entrou num atentado promovido por um grupo liberal chamado os “Divo dignos” contra uma diligência que trazia a Lisboa professores daquela cidade para um beija-mão a D. Miguel, de que resultaram mortos e a prisão do seu filho Domingos Joaquim. Consta que preso e tendo pedido ajuda a seu pai, o mesmo recusou achando que o filho deveria pagar pelos seus atos, o que terá motivado uma maldição do filho contra a família e o seu património.
Lenda ou coincidência, o certo é que morto o último capitão-mor de Sintra em 1849, a Quinta por falta de descendentes diretos acabou na posse do seu sobrinho William Galway que morreu internado num manicómio nos Estados Unidos. Um filho deste acabou por vender os Pisões que assim foram parar a estrangeiros e fora da família.


O velho Palácio dos Pisões pertenceu também aos duques de Aveiro. Segundo a tradição aí se reuniram por diversas vezes os conjurados que, no dia 3 de setembro de 1758, atentaram contra a vida de D. José I.
Como consequência da malograda tentativa de regicídio, os bens de todos os implicados, inclusive dos Duques de Aveiro, foram confiscados e, entre eles, a Quinta dos Pisões.
Mais tarde em 1810 a propriedade foi a hasta publica e foi arrematada por 700 mil réis pelo ultimo capitão-mor da Vila, Máximo José dos Reis, que veio a falecer em 1849.
Quando este faleceu passou para a sua filha Libânia Rosa dos Reis que era casada com Michael David Gallwey. Diz-se que este proprietário se gabava de poder ir de Sintra a Mafra pisando apenas os seus terrenos.
Libânia Rosa dos Reis e Michael David Gallwey nao tiveram descendestes directos pelo que a Quinta passou para a posse do seu sobrinho William Galway que morreu internado num manicómio nos Estados Unidos.
Depois de William Gallwey foi vendida a uma senhora checa, Marie Janovcova de Melo Abreu, que a vendeu em 1947 a Vitor José da Silva Carvalho, grande comerciante e industrial em Lisboa.
Ainda de referir que a casa dos caseiros é da autoria do arquiteto Raul Lino.

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Fernando Morais Gomes

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