Relatório da visita técnica efectuada pela Alagamares-Associação Cultural e por um grupo de cidadãos à Quinta da Ribafria em 10 de Maio de 2014
A Quinta de Ribafria, nos limites de Sintra, foi adquirida por Gaspar Gonçalves,em 1525 elevado à condição de Cavaleiro da Ordem de Cristo, e, que em 1536 instituiu a propriedade como cabeça de morgadio. Em 1541 D. João III, por carta passada em Lisboa, concedeu ao cavaleiro Gaspar Gonçalves carta de armas e o título de Ribafria, o qual encetou então obras na quinta, designadamente, fazendo erguer uma torre na qual apôs, em bom trabalho de cantaria, as suas armas, e reformulando (ou acrescentando) outros espaços de modo a torná-los consentâneos com o seu novo estatuto. Apesar das obras que o solar sofreu ao longo do tempo, a sua planimetria ainda hoje é praticamente coincidente com as indicações constantes no Tombo e Medição do Morgado de Gaspar Gonçalves de Ribafria, datado de 1542. Atendendo às similitudes entre a fonte do pátio de lajedo e uma outra existente no seu paço na Vila, datado de 1534 e assinado por Pero Pexão (que mais tarde veio a ser mestre de obras do Paço Real),atribui-se a este a remodelação renascentista .No século XVIII, um descendente de Gaspar Gonçalves, entre outras obras, acresceu um sobrado à torre. Já no século XIX e após a falência dos Ribafria (à época condes de Penamacor) a Quinta foi adquirida em hasta pública por Ferreira Braga que, segundo alguns autores, desfeou o edifício introduzindo elementos extemporâneos.
Em 1902, novamente em hasta pública, foi comprada por Jorge José de Mello, 2.º Conde do Cartaxo, o qual introduziu um anexo à torre, abriu mansardas sobre a casa de jantar e janelas ovóides na cave. Mais tarde, o seu neto, Jorge de Mello, comprou aos restantes familiares as partes que lhe cabiam em herança e, sob a orientação do Arquitecto Vasco Regaleira, executou grandes obras, quer adaptando os arruinados anexos a zonas de habitação, quer, sobretudo, devolvendo ao solar o prospecto renascentista, e dentro do espírito revivalista, que em Sintra, perdurou até muito tarde, enriqueceu o interior com diversas estruturas neo-renascentistas. No que concerne à da quinta agrícola envolvente, e com projecto do paisagista Francisco Caldeira Cabral, esta foi transformada num bucólico espaço de contemplação
A Câmara Municipal de Sintra, exerceu o direito de preferência e fez a aquisição da Quinta da Ribafria em 17 de Dezembro de 2002, em cumprimento de deliberações da Câmara de 12 e 27 de Dezembro de 2001 e da Assembleia Municipal de 3 de Janeiro de 2002.
O anterior proprietário (desde 1988), era o Instituto Francisco Sá Carneiro/Fundação Friedrich Nauman, que por sua vez a tinha adquirido a Jorge Augusto Caetano José de Mello Presidente do Conselho de Administração da CUF.
Recentemente, ali decorreram filmagens da obra de Raul Ruiz “Mistérios de Lisboa”.
Um grupo de sintrenses, sob a égide da Alagamares, ali fez uma visita dia 10 de Maio, no sentido de ver o estado de conservação do local, encerrado desde 2003,com espírito crítico e construtivo, como é seu apanágio, e tudo fará para ver a integral reabilitação e uma pública e útil fruição daquele monumento do século XV.
Participantes na visita: Fernando Morais Gomes, Jorge Menezes, Claire Smith, Daniel André, Ricardo Duarte, Sónia Dias, Taylor Moore, Eugénio Montoito, Hermínio Santos, João Faria dos Santos, João Cachado, João Rodil, Pedro Macieira.
A Quinta da Torre de Ribafria é um dos espaços patrimoniais mais emblemáticos de Sintra e um raro exemplo da cultura renascentista e das apetências quinhentistas numa busca do locos amoenus, na construção e idealização dos espaços como paraíso terreal. É, só por isso, um património que deve merecer toda a atenção e empenho das entidades competentes na sua preservação e restauro.
Acresce ainda a este valor filosófico que preside aos gostos do século XVI, com o inevitável retorno à aurea mediocritas ruralis, ser uma propriedade carreada de História e mandada edificar pela única família nobre de origem inteiramente sintrense. Juntamente com a Quinta da Penha Verde, o Palácio Nacional de Sintra, o Paço dos Ribafria na vila, e os mosteiros da Penha Longa, o que resta do Real Mosteiro da Pena e o Convento dos Capuchos, forma um conjunto que possibilita uma viagem bastante interessante pelo Humanismo e pelo Renascimento português.
Escusamo-nos, aqui, de contar a História do local, desde Gaspar Gonçalves ao heróico André Gonçalves Ribafria, do Conde do Cartaxo a Jorge de Mello. Hoje, a Quinta da Torre de Ribafria é propriedade do município. Desde a sua aquisição que se encontra em estado letárgico, sem vida nem projecto que a faça reviver. Esse período, já longo, de inércia e falta de obras de manutenção – que seria o mínimo exigido – fez com que toda a Quinta necessite de uma intervenção profunda e imediata, não só para salvaguardar o edificado (palácio, anexos, capela/mãe d’água e jardins), como também os seus terrenos agrícolas e o maravilhoso bosque que lhe confere um elevado valor ambiental.
Na perspectiva de identificar as várias patologias detectadas na Quinta e de encontrar propostas de soluções para o seu futuro, a Alagamares- Associação Cultural e um grupo de munícipes promoveram, no passado dia 10 de Maio uma visita técnica ao local, tendo posteriormente sido solicitado a todos os presentes que registassem os seus pareceres e sugestões construtivas visando a produção de um documento conjunto a enviar à Câmara Municipal de Sintra. Obtidos os contributos, e para uma melhor metodologia, dividimo-lo em duas partes: a primeira, que trata da identificação dos problemas, e a segunda, que apresenta algumas propostas para a viabilidade cultural e económica da Quinta da Torre de Ribafria.
1. Identificação das Patologias
1.1 Palácio
a) Exterior: obras urgentes em todas as coberturas, hoje cheias de ervas e com as trepadeiras a levantarem as telhas, causando infiltrações danosas a toda a construção.
b) Escadaria do átrio, à esquerda de quem entra, em perigo iminente de derrocada.
c) Interiores: restauro de estuques, pinturas, madeiramentos, pavimentos e rebocos, a necessitar de equipas multidisciplinares a trabalharem na sua recuperação.
d) Pintura geral exterior e interior.
1.2 Jardins
a) Recuperação do sistema de levadas, tanques, fontes e cisterna.
b) Restauro da Nora.
c) Reposição do jardim labiríntico de buxo.
d) Limpeza de infestantes.
e) Limpeza e consolidação da estatuária e outros elementos decorativos.
f) Arranjo de escadarias, pátios e caminhos.
1.3 Anexos
a) Capela / Mãe d’Água, de 1765, existente na extremidade ocidental da propriedade, e em completo abandono.
b) Campo de ténis, balneários e casas de apoio.
c) Lago – piscina.
d) Casa do Caseiro.
e) Gabinetes modernos, mas enquadrados, que podem ser úteis para um projecto de viabilização da Quinta.
1.4 Bosque
a) Limpeza de mato.
b) Limpeza de infestantes.
c) Arranjo dos antigos caminhos da propriedade.
d) Plantio de árvores seleccionadas.
1.5 Zona Agrícola
a) Limpeza, arroteamento e preparação dos solos.
b) Programa de plantio
c) Horta
d) Pomares
2. Propostas de viabilização
2.1 Criação de unidade hoteleira de charme, já que o palácio possui cerca de trinta quartos, e que já foram utilizados para esse efeito. Modernização das estruturas de apoio – cozinha, lavandaria e engomadoria, tratamento de resíduos, recurso às energias renováveis.
2.2 Implementação de um restaurante que, em simultâneo, dê assistência aos hóspedes e esteja aberto ao público. Deveria seguir uma linha de gastronomia regional com um toque de sofisticação.
2.3 Um pólo universitário com estudos sobre o Renascimento Português, seria igualmente decorrente de um projecto pedagógico mais amplo, uma Universidade Livre Internacional, pensada segundo o modelo do Professor Agostinho da Silva.
2.4 Possível criação de uma estrutura do tipo da Quinta do Pizão (em frente do cruzamento da Barragem do Rio da Mula), que permita uma conjugação didáctica entre animais e humanos com workshops de agricultura entre outros.
2.5 Uma Escola Internacional de Arte e Inovação de Sintra (Sintra International School of Art and Innovation).
2.6 Aproveitamento dos Gabinetes modernos e a sua configuração em forma de “L”, para exposições, ateliers, workshops, formação, aulas, etc..
2.7 Promoção de piqueniques, pagos, na zona do bosque perto da piscina.
2.8 Criação de um Banco Genético de árvores de fruto e plantas endémicas da região, hoje em vias de extinção.
2.9 Produção de frutos, nomeadamente citrinos, morangos, pêras, maçãs, pêssegos, etc., quer para a unidade hoteleira, quer para o mercado externo.
2.10 Produção de hortícolas biológicos para uso interno e venda externa.
2.11 Produção de flores para venda.
2.12 Visitas guiadas ao património histórico
2.13 Visitas guiadas à biodiversidade (fauna ribeirinha, observação de aves, identificação de árvores e plantas, insectos, etc.)
2.14 Ciclo de músicas do mundo, jazz e clássica, a promover durante a estação primavera / verão, nos jardins.
2.15 Eventos de vária natureza como lançamento de livros, tertúlias, saraus literários e musicais, dança, etc.
2.16 Promoção de cursos de fotografia.
Em nosso entender, todas estas propostas podem integrar um projecto de viabilização do espaço. Para tal, e depois das necessárias e urgentes obras de requalificação, a Câmara Municipal de Sintra poderia avançar com um consórcio, em moldes jurídicos a equacionar, onde poderia juntar parceiros sociais para gestão e dinamização da Quinta de Ribafria.
Recebida uma delegação de cidadãos pelo Vice Presidente da CMS, Rui Pereira, em 17 de Julho de 2014, foi demonstrada abertura para estas sugestões e informado estar em curso já alguma recuperação dos espaços públicos, pelo que iremos acompanhando todos os esforços tendentes a devolver este espaço único ao destaque que merece.