A Alagamares e o trânsito em Sintra

A Alagamares –Associação Cultural, preocupada com o impacto do trânsito e do estacionamento no município de Sintra, em especial na sua zona histórica e de paisagem natural,  apresentou por escrito  o seu contributo para o projecto de primeira alteração ao Regulamento de Trânsito e Estacionamento do Município de Sintra, aprovado em 23 de Novembro de 2011 no decurso do prazo para a apreciação pública, vertido em documento entregue na CMS  no passado dia 20 de Maio, e decorrente de posição consensual adoptada em reunião da sua Direcção, cujo teor no essencial transcrevemos:

“As alterações ao presente Regulamento apresentam uma oportunidade de discussão e de construção de alternativas sobre o actual modelo de mobilidade, de transportes e de gestão dos espaços públicos do Município. Na verdade, apesar de algumas melhorias, temos verificado o aumento de afluência de veículos motorizados no centro histórico da vila de Sintra, assim como nas zonas limítrofes da paisagem classificada pela UNESCO; a persistente degradação do serviço de transporte públicos, com horários e paragens ineficientes, e com preços onde se verifica compensar o uso de transporte individual; e a degradação do estacionamento, com o aumento do auto-caravanismo selvagem e a falta de alternativas para todos os que são forçados ao uso do transporte individual.

Este aumento de tráfego tem consequências bastante negativas, quer do ponto de vista ambiental, quer do da segurança de pessoas e bens, bem como na imagem e qualidade que oferecemos aos visitantes, dado o “caos” que, por vezes, se instala, sobretudo aos fins-de-semana e na época estival.

Assim, é nosso entendimento que com urgência, deverá ser devidamente equacionada a criação de parques de estacionamento periféricos, como tem sido sugerido há anos por diversos intervenientes, para que os visitantes sejam incentivados a usar os transportes públicos. Aliás, esta é a solução que em diversos locais turísticos sensíveis, como é o caso vertente de Sintra, tem sido adoptada pelos gestores dos mesmos (vd. Salzburgo, Siena, Estocolmo, etc.). Nestes termos, a oferta de transportes públicos (com os actuais ou outros transportadores)  deverá igualmente ser equacionada no que respeita a horários, rotas, e, sobretudo, ao nível do preço do serviço, já que o que é praticado actualmente afasta os visitantes desta opção. Para minimizar este custo, deveria também ser estudada a hipótese de tanto a Câmara Municipal de Sintra, como a Parques de Sintra-Monte da Lua reduzirem o valor cobrado pelo ingresso nos monumentos e parques aos visitantes que utilizem os transportes públicos.

Ainda no que se refere à criação de estacionamento, deveriam ser criados locais adequados ao auto-caravanismo, a fim de eliminar o que é praticado actualmente, nada aconselhável tanto do ponto de vista da saúde pública, como da imagem negativa e terceiro-mundista que representa.

Apesar dos múltiplos problemas actuais, o projecto de Regulamento, além de não apresentar qualquer alteração ao paradigma actual, reforça-o, e intensifica algumas das fontes de descontentamento de todos aqueles que se deslocam diariamente em Sintra e para Sintra.

Na verdade, o projecto de Regulamento não apresenta qualquer alteração relativa ao condicionamento de circulação de veículos motorizados na vila de Sintra ou na área de paisagem natural, nem apresenta qualquer reflexão integrada, nomeadamente com a rede de transportes públicos do município. Aliás, a única alteração que este Regulamento perspectiva é o reforço da tributação sobre o estacionamento, com o aumento de taxas de estacionamento e expansão das áreas taxadas, que incluem toda a vila de Sintra, as zonas limítrofes às estações de comboio, a Praia Grande, a Praia da Adraga e a Praia das Maças – e que se nos perspectiva ser ilegal, com os fundamentos que apresentamos infra.

Vem a proposta de Regulamento, nos artigos 23º e seguintes, referentes ao estacionamento nas zonas de estacionamento de duração limitada, manter os limites horários actuais, ou seja, que o estacionamento é pago de segunda-feira a domingo, das 8 horas às 20 horas (em comparação, na cidade de Lisboa, o estacionamento é pago apenas de segunda-feira a sexta-feira, com excepção dos sábados de manhã nas zonas vermelha, e das 9 horas às 19 horas) e, à semelhança da cidade de Lisboa, criar eixos e coroas, nomeadamente: eixos tarifados vermelhos (eixos viários de alta rotação); coroa tarifada amarela (áreas de média rotação;) e coroa tarifada verde (áreas de baixa rotação). 

Mas o que se afigura grave são os vícios de ilegalidade do Regulamento, com a atribuição de poderes de definição do valor da taxa e da sua fórmula de cálculo, assim como a definição da sua incidência objectiva, por uma empresa municipal, designadamente a EMES.

As Câmaras Municipais têm o poder de criar taxas, entre outras, de estacionamento, decorrente da Lei que as habilita para tal, nomeadamente a Lei nº 53-e/2006, de 29 de Dezembro, que aprova o regime geral das taxas das autarquias locais.

Estatui o artigo 8º do referido diploma legal:

Artigo 8.º  Criação de taxas

1 – As taxas das autarquias locais são criadas por regulamento aprovado pelo órgão deliberativo respectivo. 

2 – O regulamento que crie taxas municipais ou taxas das freguesias contém obrigatoriamente, sob pena de nulidade:

a) A indicação da base de incidência objectiva e subjectiva; 

b) O valor ou a fórmula de cálculo do valor das taxas a cobrar; (…)

Nos termos do nº 1, o órgão deliberativo respectivo é a Assembleia Municipal, conforme resulta do artigo 25º, nº1, alínea g) da Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro; poder que não é delegável, muito menos numa empresa, por falta de norma habilitante no regime geral das autarquias locais.

Propõem as alterações aos artigos 28º, nº 2, 31º e 35º do presente Regulamento:

-A possibilidade de alteração dos horários pela EMES (artigo 28º, nº 2);

-A delimitação dos eixos e coroas pela EMES (artigo 35º);

-A definição das tarifas (taxas) pela EMES (artigo 31º).

As duas primeiras propostas delegam na EMES a indicação da incidência objectiva da taxa – os locais e o tempo em que esta se aplica – assim como a sua fórmula de cálculo – com a EMES a possuir um poder sobre a delimitação de eixos e coroas. A terceira proposta dispõe sobre o valor da taxa para cada eixo e coroa.

É pois notório que os mencionados artigos da proposta são ilegais, e consequentemente nulos, por violação do artigo 8º, nº 2, alíneas a) e b) da Lei nº 53-e/2006, de 29 de Dezembro, que aprova o regime geral das taxas das  autarquias locais, e do artigo 25º, nº1, alínea g) da Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, que estatuem como único órgão competente para indicar a incidência da taxa e definir o seu valor ou fórmula de cálculo a Assembleia Municipal.

A delegação destas competências numa empresa desrespeita o Princípio da Legalidade da Tributação, que desde o período da revolução americana reflecte a reivindicação democrática “No taxation without representation”, isto é, apenas os órgãos representativos podem criar tributos (impostos, taxas, tarifas ou contribuições). Ora, a possibilidade de criação, definição e delimitação de taxas pela EMES é uma subversão deste princípio que deve ser denunciada e corrigida durante o período que antecede a aprovação da proposta de alteração ao Regulamento de trânsito e estacionamento.

Nestes termos, independentemente das sugestões e reflexões apresentadas, a Alagamares –Associação Cultural, apela à Câmara Municipal de Sintra para a realização de um estudo aprofundado, tendo em vista que, a curto prazo, o transporte público substitua o transporte individual no centro histórico de Sintra e em áreas de paisagem classificada pela UNESCO, e que altere a sua proposta em harmonia com a legalidade.”

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