A Sintra do meu tempo, por José Carlos Serrano

José Carlos Santos Serrano, nasceu a 17 de março de 1965, em Sintra, na Rua Dr. Alfredo da Costa, quando era normal nascer em casa. A Infância e adolescência passou-as nas escolas primária e secundária das freguesias de S. Martinho e Santa Maria e S. Miguel, onde experienciou uma vivência mergulhada nesse emaranhado de ruas e becos, envolvidas em quintas e palácios, parques e lagos, riquezas e privilégios completados com as praias de águas geladas e puras do nosso concelho.

Quis o destino que se tornasse funcionário da Câmara Municipal de Sintra, durante cerca de 25 anos, percurso profissional que foi forçado a interromper, devido a ter sido “bafejado pela sorte” com uma doença incapacitante e degenerativa – esclerose múltipla.

Em simultâneo sempre alimentou, e partilha, o gosto pelo mundo do restauro e decapagem de móveis, tendo criado um espaço, numa antiga adega, em Gouveia – aldeia em verso, na qual passa grande parte do seu tempo.

Consequência da sua situação de aposentado, aqui partilha connosco a sua vivência de Sintra nos anos 70 e 80, e as memórias de acontecimentos e lugares comuns, amigos, perdidos, encontrados, antigos e recentes, que preenchem, de forma muito positiva, parte significativa dos seus dias, e que muitos em Sintra ao lerem estas crónicas irão por certo reconhecer.

OS JOGOS DE PING PONG NA ESCOLA DO SINTRENSE

Na Escola do Sintrense na Av. Heliodoro Salgado, existiam, no r/c, 2 salas. Uma tinha uma velha mesa, improvisada, de ping-pong, que fez as delícias da malta, quando começou a fazer as primeiras saídas à noite. Na sala ao lado era o jogo da laranjinha, frequentado pelos mais velhos. Ao fundo era o bar, onde o Sr. Jorge vendia uns cafés, uns bagaços e umas minis, para comer não existia nada, não fossem uns amendoins. Junto ao bar existia uma pequena sala onde se jogava às cartas. Tudo isto era um mundo novo, onde só os adultos é que entravam. O cheiro era um misto de humidade, fumo de cigarros, muito, misturado com o cheiro das bebidas.

O sistema era juntarmo-nos 2 ou 4 e fazer equipas para se jogar. Era pago à hora, dividíamos a despesas, trazíamos raquete, porque as que lá havia eram de madeira, sem borracha.

No jogo da laranjinha o recinto de jogo é um retângulo aberto no chão, com os laterais feitos de madeira e os topos feitos de cortiça, o chão feito de areia e caliça, a meio das tabelas laterais leva duas peças metálicas de seu nome garrafinha, para se jogar utiliza-se uma bola pequena, a laranjinha e seis bolas grandes de madeira maciça, sendo o objetivo acertar na laranjinha com as bolas grandes. É um jogo de destreza e pontaria, sendo um jogo muito antigo a malta nova aprendia com os mais velhos.

Em Sintra, que me lembre, só existia este no Sintrense e outro na cave da Sociedade União Sintrense.

Velhos tempos de saídas curtas, até à meia-noite, às sextas e sábados.

O Sr. Jorge tinha muita paciência prós putos, durante o dia fazia a cobrança das quotas do Sintrense na sua vespa.

QUANDO O CIRCO VINHA A SINTRA

Era mágico, todos os putos ficavam ansiosos, todos queriam ir. Ficava instalado no terreno onde está, atualmente, o Departamento de Urbanismo.

Era uma correria para ver as jaulas dos leões e outros animais, espreitar, tudo era novidade.

Havia alguns circos em que, aos putos, da terra, que ajudavam a montar a tenda ou a fazer recados, ofereciam entradas.

Eu, uma vez, tive a sorte de andar de burro. Diziam que os burros eram para alimentar os leões. Sinceramente, nunca acreditei nisso.

Numa célebre tarde, daquelas em que o circo já estava montado, fui ver o ambiente e fiz amizade com um puto do circo que me proporcionou isso, uma volta de burro! Uma cela, feita com um bocado de cartão, umas fitas de caixote para me segurar e lá dei uma volta.

E não caí!

Nunca mais montei nada, até hoje!

A minha mãe conta que uma vez me levou ao Circo, era puto, não me lembro, e que havia um número dos palhaços com um carro que explodia. Apanhei tal cagaço que me fartei de chorar!

É a vida!

Por acaso o terreno onde o circo se instalava era mesmo bem situado. Creio que quando o circo aparecia só ficava, mesmo ali.

Todo o Concelho, se queria ver circo, tinha de vir a Sintra.

Lembro-me que também serviu para lá instalarem algumas vezes carrinhos de choques.

Mais tarde, já nos anos 90, fizeram-se alguns concertos, festas e até feiras de automóveis.

A MINHA PRIMEIRA CORRIDA DE CARRINHO DE ROLAMENTOS

Parece que foi ontem, mas foi em 1979, no dia 1 de abril, na descida da Praia da Aguda, em Fontanelas.

Foi proclamado, pelas Nações Unidas, nesse ano de 1979, Ano Internacional da Criança.

Terá sido com esse o propósito, festejar, esse honroso dia, com a criançada, que o Senhor Luís Batista e o Grupo nº 93, da Associação de Escuteiros de Portugal, que, nessa altura, tinha sede no nº 1 da Rua Costa do Castelo, na Vila Velha, organizaram essa prova.

Eu e os meus amigos, tínhamos 14 anos, fomos de camioneta até Fontanelas! Carrinhos debaixo do braço e muita expetativa e ansiedade. Era uma novidade muito grande. Alguém que ia organizar uma corrida “daquilo” que nós fazíamos, todos os dias, junto às nossas casas.

Foi engraçado! Tinha o patrocínio da “Pepsi”. O tempo não ajudou muito, choveu. O local da partida era quase plano e os carros não embalavam para o arranque. Os escuteiros fizeram o primeiro carro com rodas de bicicleta. Esse sim, andava bastante! Tiveram de improvisar uma rede, na “meta”, para, em caso de não parar com os travões, não haver acidentes.

Lembro-me que recebi uma t -shirt da “Pepsi”. Não me lembro da classificação!

Foi um dia muito divertido.

Saudades!

FIGURAS MARCANTES DE SINTRA

Ele houve tempos de figuras incontornáveis em Sintra.

Quem não se lembra do Nicolau, simpático, cumprimentava toda a gente. Mas uma doença neurológica obrigava-o a andar como andava, todo curvado, e quando necessitava de atravessar a estrada quase que tocava com as mãos no chão. Mas na praia caminhava direito e sem stress.

A Romana, estava na entrada das Finanças, era Contínua, ajudava as pessoas a preencher os impressos, sempre com os seus cães debaixo da secretária, à noite e aos fins-de-semana vendia os bilhetes no Cinema Carlos Manuel.

O Capela, figura mítica, sempre presente nos jogos de hóquei de Sintra e do futebol do Sintrense. Fervoroso adepto que não falhava um jogo e sempre a puxar pela equipe.

O Gaguinhas, um taxista que existiu em Sintra. Homem magro e alto, muito simpático, ele houve tempos em que tinha dois carros de praça, um fechado e um descapotável, Reza a história que quando as pessoas telefonavam a pedir um carro, ele dizia ” quer c’o aberto ou c’o fechado?”. Era gago e essa frase é histórica.

O Russo, o engraxador, que engraxava sapatos à porta do Cíntia, na estação.

O Tony Braga, o Contínuo, que existiu na Câmara de Sintra, fazia o transporte de documentos e processos entre os vários departamentos dos serviços, só que existiam várias tascas, cafés e restaurantes nos percursos e quando chegava à hora do almoço já andava muito torto.

O Jaques, o inspetor do Cinema Carlos Manuel.

O Canelas, o corta-bilhetes na entrada do cinema e estofador.

O Feijoca, o Sr. Jorge da Laranjinha, o Caninhas, o Sr. Guerra, que fazia trabalhos em couro, por detrás da estação.

O Sr. Silvino, sapateiro, também por detrás da estação.

O Zé Maria, das flores e do relógio da Vila. O Tio Augusto, o Tarufa, mecânico, e o Ti Chico Titão dos cavalos, o ” voltinhas dos trens ” e o Ti Augusto “dá palha à burra”.

O Geringonça, era o dono da tasca ao lado da Câmara.

O Sr. Miguel, empregado do Zé Silvestre, era campeão das amarelinhas.

A PRIMEIRA VEZ QUE ACAMPEI NA PRAIA DAS MAÇÃS

Eu tinha para aí cinco anos, fui com o meu pai acampar, sozinhos, para a encosta da margem do rio na praia. Os meus tios emprestaram-nos a tenda. Era uma tenda “caseira”. A minha tia era costureira e fez a cobertura, a estrutura era em tubos galvanizados, com encaixes.

Um espetáculo, era grande, familiar!

Só o meu pai, para ir armar a tenda em tal sítio. Do lado de lá do rio a encosta tinha uns socalcos, grandes. Foi aÍ, com vista privilegiada, que ficámos. Não me lembro do trabalho que terá dado, acartar as tralhas todas dum lado para o outro, da praia, atravessar o areal. Sim, porque o meu pai levava de tudo, aquele velho ditado ” quem vai pro mar avia-se em terra “.

Uma recordação do primeiro dia. Após o “estaminé” montado os meus tios voltaram, para trazer as últimas coisas, nas quais uma garrafa de leite pro “menino”. Devo ter atravessado o rio ao colo, para lá, mas quando regressámos eu vinha ao colo num braço e na outra mão o meu pai levava a garrafa, daquelas da Vigor, de boca larga. Vida de pai!

Na travessia, já escuro, um pé escorregou e caímos, O meu pai serviu de ”amortecedor”. Primeiro para não me molhar e segundo para não partir a garrafa. Resumindo, ele molhou-se, mas amorteceu a minha queda e não partiu a garrafa. É logico que, apesar de ter boa memória, quem contou a história foi o meu pai. Eu tinha 5 anos!

Foram tempos maravilhosos. O que um puto pode querer mais? Na praia, na beira do rio. Grandes “explorações” nas margens, à descoberta. Apanhar enguias, minúsculas, ou subir a margem do rio até á ponte de madeira que ligava a piscina à encosta contrária, onde existiam, na altura, os bungalows. Havia malta mais velha que entrava prá piscina, de borla, por aí. Ir com o meu pai para as rochas, quando ele ia apanhar mexilhões ou polvos.

Conheci, nessa altura, o Ti Zé banheiro, sabia tudo sobre a praia. Uma vida ali, na praia, pele torrada do sol, chapéu à marinheiro. Terá sido por essa altura que o Ribeirinho montou o bar. Ir ás rochas apanhar alguma “coisa”, sempre me cruzava ou com o Senhor Mário, outra pessoa que sabia muito das lides da pesca, ou com o “Piolho Elétrico”, tudo malta vivida e sábia da Praia das Maçãs.

A minha mãe não gostava de acampar, por isso nos primeiros dias, éramos só nós dois.

O estar sempre pela praia, à noite era ir ver o futebol de salão, o convívio com outras pessoas, o conhecer pessoas novas.

Recordo essa primeira aventura, de começar a acampar, como uma experiência maravilhosa, para a vida!

O PINÓQUIO

O Pinóquio era um cão, de porte grande, preto, com umas malhas castanhas, cauda curta.

Nunca entendi quem era o dono. Era das pessoas!

Ou estava na Vila ou na Estação, de Sintra.

Com a particularidade de ser um bicho muito inteligente!

Davam-lhe uma moeda e ele ia ao Café Camélia, com a moeda na boca, deixava cair a moeda no balcão e recebia um pacote de açúcar ou um bolo.

Havia, como ainda há, pessoas mal-intencionadas.

O meu pai era motorista da Cooperativa de Produtores de Leite de Sintra. Andava pelo Concelho de Sintra, a recolher o leite pelos postos que havia, em cada aldeia, ou diretamente aos produtores.

Um dia chega á Azóia e, no largo onde existem uns restaurantes, qual não é o espanto, lá estava o Pinóquio, deitado ao sol. Como o conhecia e estranhando ver o bicho tão longe dos locais habituais, chamou-o pelo nome. Deu um salto, todo contente, como quem “diz”: “Este gajo conhece-me”.

Meteu-o na camioneta e trouxe a “vedeta” de volta a Sintra.

Não sei como acabou, mas diabético deve ter sido.

QUANDO APRENDI A LAVAR MÓVEIS

Quando fui morar para Gouveia comecei a frequentar uma oficina de restauro de móveis, onde, por curiosidade e gosto por coisas velhas, comecei a fazer uns biscates. Ajudar a passar à lixa, envernizar pequenas peças.

Até que um dia me foi proposto lavar uma cadeira, que estava envernizada, com amoníaco. Operação que aceitei e fiz!

Com muito cuidado, na rua, ao ar livre, um balde de água, meio, com amoníaco misturado; luvas de borracha, longas, grossas, uma esponja!

Começa-se, suavemente, a passar a esponja e o verniz começa logo a sair. A água muda logo de cor. De seguida outra operação, para limpar o amoníaco e clarear a madeira, passar com ácido muriático. Fica a lavagem feita.

Depois, secar muito bem, ver as peças descoladas e fica o restauro no bom caminho. De seguida lixar e dar o acabamento.

Trabalho concluído com sucesso!

Noutro dia foi-me proposto lavar uma mesa, de cozinha, pintada.

Aí, outra aventura!

Uma lata, de tinta (vazia), e caldar cal. Ou seja, uma pedra de cal a dissolver com água. Começa a “ferver”. Ao mesmo tempo, misturar um pouco de soda cáustica. Tudo com muito cuidado. Sempre a misturar água, fazer uma pasta espessa, que fica muito quente, de seguida, umas luvas, de borracha, grossas e, na rua, com uma escova, começar a “barrar” a mesa, que, com a pasta tão quente e forte, começa logo a tinta a sair.

Começas logo a ver a cor da madeira!

A operação deve ser feita com cuidado e sempre com água corrente.

O resultado é eficaz e fica-se com a madeira, toda, à vista.

De seguida, passar bem com água e a operação para “clarear” a madeira e “limpar” da cal e da soda caustica, com ácido muriático.

Limpeza feita, lavagem efetuada!

De seguida o processo normal: os dias de secagem, passar à lixa, colar o que é preciso, envernizar ou encerar, conforme o gosto.

Grande aprendizagem!

Com o tempo passei a fazer este trabalho por minha conta, em minha casa, também como hobby, para muitos comerciantes e restauradores.

Lavei louceiros, camas, móveis de farmácia e mercearias, ou seja, passei a lavar toda a espécie de móveis.

Universo a que estive ligado vários anos, mas que, por motivos de doença, abandonei.

Curiosamente, sei que, hoje em dia, não existe ninguém que faça tal coisa!

Apesar de ser um trabalho perigoso e sujo, era gratificante!

Ver a beleza das peças, em estado natural, sem as camadas de tinta e barramentos, que as pessoas faziam ao longo dos anos, por épocas ou por moda.

Retirar a tinta de um móvel é como abrir uma carta fechada. Nunca se sabe o que se vai encontrar por baixo. Ou tinha muitas camadas de tinta e barramentos, ou podia estar queimado, com maçarico, ou completamente cheio de bicho!

Curiosidades.

A IDA ÀS APARAS

 Na minha casa sempre se criaram coelhos e galinhas!

Tínhamos um bom quintal e o meu pai fez várias coelheiras, com uns caixotes, que lhe ofereceram, na altura, da Tabaqueira. Eram grandes e resistentes. Era só colocar um aro com rede e fazia a frente. Num canto uma porta e estava feito. Vários caixotes encostados uns aos outros, em redor do quintal.

As galinhas, essas, tinham casa sólida, no quintal existiam umas arcadas, por baixo das varandas. Uma era onde a minha mãe tinha a “máquina de lavar roupa”, da época, um “tanque”, outra era para arrumação de tralha e outra o galinheiro. Ainda era grande. À frente um aro, grande, com rede e com a porta. Lembro-me que o meu pai fez uma abertura no cimo da rede, com um poleiro. Era para entrarem e saírem outros “habitantes”, uns pombos brancos que, na altura, existiram. Lembro- que fizeram uma rica canja.

O meu quintal era uma “miniquinta”, tinha uma nespereira, muito grande e alta, quando “carregava” havia nêsperas para dar e vender. Havia um espaço grande, onde o meu pai plantava alfaces, comprava várias qualidades, depois de crescerem ficava um colorido espetacular. Em redor colocava couves, que serviam de vedação às alfaces e havia sempre um canteiro para centros, salsa e hortelã.

Foi sempre este hábito, de lidar com animais de criação e plantar verduras, que tive, desde muito puto e do qual gostava muito.

Só havia uma coisa que detestava.

Ir às aparas, de madeira, à serração dos Parrachos, por detrás da estação.

Quando o meu pai colocava a saca, enrolada, em cima duma mesa que existia na varanda, era sinal para eu ir.

As aparas eram muito importantes, eram a “cama” das galinhas.

Um puto tem sempre as suas manias, ou teimosias, mas tinha que ser!

Quando vinha da escola, lá ia eu. Entrava na serração, ia ao escritório ou procurava algum dos patrões e pedia se podia tirar uma saca de aparas.

Era fácil e divertido!

Para já o cheiro a madeira, depois procurar uma pá e encher a saca, calcar bem, para trazer bastante, depois amarrar bem a boca da saca e pés ao caminho.

Era isso que detestava! Vir com a saca às costas, o caminho todo!

O peso não era muito, era mais o volume. Mas tinha de ser feito e era a minha “ajuda”.

Tudo isto são aprendizagens para a vida.

QUANDO SE APRENDIAM ENSINAMENTOS COM OS MAIS VELHOS

Morar em Sintra e usufruir de uma vila com a riqueza que ela tem.

Ele há pequenas coisas, tão simples, que fazem a felicidade e que nos marcam para a vida inteira.

Seja ir ao pão ou ir meter uma carta no marco do correio. Tudo isso foram as asas que nos ensinaram a “voar prá vida”!

Quando fui para a primária aprendi a ir aos rebuçados esmigalhados, ao lado da fábrica da Piriquita!

Ir buscar um garrafão de água ao Parque da Liberdade, à bica ao pé do portão do Valenças, prá D. Aurora e ganhar 10 escudos!

Ir á mercearia do Sr. Orlando ” sacar ” as aparas do fiambre, que ficavam no topo da máquina depois do corte!

Ir pedir, à Sapa, as queijadas queimadas ou “tortas”!

Ir apanhar uma boleia, no eixo de trás do trem, sem ser agarrado!

Ir à fábrica das padarias, pedir os bolos queimados!

Ir prá oficina do Zé Burro ver a malta a trabalhar e aprender calão de oficina!

Ir ver o Pitorro a moer o café!

Ir ver o ferrador a ferrar cavalos!

Ir jogar à bola no Pátio do Rodas!

Ir chamar o “Artur, dá palha á burra ” e ter de cavar, a correr, senão éramos agarrados. E ele afinava mesmo!

Aprender a assobiar com os dedos todos!

Tudo isto eram tudo “coisas” que se podiam fazer, mesmo sendo puto, na área da minha casa!

AS OFICINAS DE CARROS EM SINTRA

Foi uma realidade que perdeu força por causa da evolução dos tempos.

Sintra, mesmo sendo uma vila pequena, era povoada por várias oficinas, de onde foram formados muitos mecânicos, bate chapas, pintores e eletricistas, porque antigamente a formação era feita nas oficinas, com os mais velhos, começavam por varrer a oficina, arrumar as ferramentas, e depois passavam a ajudantes e por ai fora, até serem profissionais, na área que aprendiam.

Senão vejam!

Na vila conheci uma de carros, só mecânica, o Cochicho, no Rio do Porto uma lenda da mecânica.

O ” Tarufa “, no Arraçário, por baixo da Escola Académica.

Uma de Bate-Chapa, pintura e mecânica, da Fiat.

Junto à Câmara, o Zé Mecânico e o Alves, que, infelizmente, morreu na oficina, dizem que pousou um maçarico em cima de um bidon de diluente, e deu-se uma explosão, improvisos, que calharam mal.

Na Rua Conde Ferreira (Ilha das Cobras), uma de Bate-Chapa e Pintura, a do Zé Burro, donde saíram grandes profissionais.

Por detrás da Estação de Sintra, o Mário Eletricista e a oficina de mecânica do Quim Pardal.

Na Rua Dr. Alfredo Costa a oficina da Mercedes e um stand de carros Fiat, uma do Armindo Simões de preparar carros de competição, ele tinha um Mini 1275.

Na Estefânia, a Sintra Garagem, de recolha de carros e lubrificação, a Ford, Stand de carros, mecânica e bomba de gasolina, da Sacor. Mais acima uns metros, a Marcolauto, Austin e Rover, mecânica e Stand.

Frente ao antigo Cinema Carlos Manuel outra de mecânica, o Severino Lúcio.

Mais abaixo, a caminho de Lourel, os irmãos Lino, mecânica.

Na Portela, o Figueiras, mecânica, bate-chapa e pintura. A Garagem da Shell, bomba de gasolina, recolha de carros e lubrificação. A Auto Sintrense, mecânica de carros, da Opel.

Junto à passagem de nível da Portela uma de bate-chapa e pintura, o Eugénio e o irmão. O mecânico Sr. Miguel, no alto da Portela.

Muita malta veio das aldeias, dos arredores de Sintra, aprenderam e, hoje em dia, alguns já devem estar reformados, mas outros continuam ainda no ativo.

“UM TOSTÃOZINHO PARA O SANTO ANTÓNIO!”

Fiz algumas vezes, para ajudar na festa que se fazia na ” ilha das cobras “.

Era preciso enfeitar a rua a preceito, comprar sardinhas e o que fosse preciso.

A lenha para a fogueira, íamos buscar à Quinta da Raposa, o caseiro deixava-nos lá ir.

Depois os mais velhos é que faziam os enfeites, os putos ajudavam.

Uma corda esticada, depois cortava-se o papel de cor em forma de bandeira e com cola, feita com farinha e vinagre, colavam-se as folhas. Depois esticava-se a corda, de um lado ao outro da rua. Alto para não ficar preso nas carrinhas mais altas que quisessem passar. À entrada da rua, folhas de palmeira, amarradas, em forma de arco.

Toda a gente ajudava, novos e velhos.

Se o dinheiro não chegasse para tudo, pedia-se ajuda na mercearia ou nos restaurantes.

Alguém (que tinha) trazia a música, que seria um gira-discos

Até quermesse havia. Cada um trazia coisas que as mães já não queriam e estava montado o estaminé. Fogueira acesa, sardinha assada, copos de tinto e saltar a fogueira.

Eu como era puto (e parvo) comia em casa! Não gostava de sardinhas.

Lá “melgava” a cabeça á minha mãe. Como tinha ajudado queria ir ver a festa e, ver, saltar a fogueira!

Lógico que se chegava a casa com “fedor a fumo e a sardinhas”.

Mas isto eram os santos populares ao pé da minha casa.

O “PÃO POR DEUS”

Era, e é, um dia especial! É o dia de aniversário da minha mãe, e, por sorte, dia de “Pão por Deus”!!

Era um dia de correria!

Rua abaixo, rua acima.

O primeiro grande arranque nos sacos era feito na vizinhança.

Para além de bons doces, vinham umas boas moedas. Uma “ventoinha” (nota de 20 escudos), era mesmo só para os vizinhos mais chegados.

Como éramos putos, íamos a dois. Corríamos as quintas todas. Até a estabelecimentos íamos. Mas também íamos mais longe, por exemplo, aos prédios, na Portela!

Toda gente dava qualquer coisa. Na vizinhança, havia aquelas velhotas que davam uma pera cozida e umas castanhas.

A malta queria era rebuçados, doces e bolos.

Eram sacadas de línguas de gato, beijinhos, sombrinhas e sugus.

Passar nos cafés da estação e Estefânia dava direito a um bolo, nem que fosse do dia anterior.

Bolos não se comiam todos os dias.

Íamos às fábricas de bolos, da Monserrate e das padarias.

Corríamos tudo.

” Adeus mundo, cada vez pior “

OS BANHOS NOS LAGOS DE MONSERRATE

Para a malta de Sintra não era novidade, mas putos, de 13, 14 anos, irem a pé até aos lagos de Monserrate, para dar uns mergulhos, era atrevimento!

Assim que chegava o calor, toca a baldar às aulas e dar uns mergulhos.

Ir da escola, D. Carlos, em Lourel, até lá, a pé, era uma aventura.

Onde se tomava banho era no segundo lago, que era mais uma presa de água e que tinha uma muralha com uma comporta.

O primeiro lago tinha nenúfares e aí não se tomava banho!

Havia malta mais velha que fazia o mesmo, mas ficavam nas margens. Parecia uma mini praia. Fazia umas clareiras e eles abancavam com as namoradas.

Nós, os putos, ficávamos no paredão, no topo, onde era a comporta para vazar o lago e mergulhávamos dali, ou de cuecas, ou sem nada, era muito bom, uma sensação de liberdade, era preciso era chegar a casa seco para não dar nas vistas.

Houve uma altura em que tínhamos um colchão insuflável, para brincar, ficava escondido, mas desapareceu.

Tínhamos a noção que o lago era fundo, mas ninguém abusava.

AS CORRIDAS NA RAMPA DA PENA

Penso que terá sido nos anos 70. Fui precoce e com sorte, por ter irmãos mais velhos.

Recordo com saudosismo porque vi uma subida de moto! Naquela altura valia todo o estilo de moto. Veio malta de muitos sítios, com motas com carenagem e tudo, não dava era muito jeito para curvar. Cá de Sintra lembro-me do Quim Simplício subir com uma moto de cross, uma Husqvarna.

Depois, rampas de carro velocidade, com Fórmula Ford e Fórmula V, aqueles aranhiços a ripar por aí acima. Um gajo, em puto, ver aquilo, ficava impressionado, não havia a informação de hoje.

Vi também com Kart, muito bom, aquilo a subir, agarrado ao chão.

E os carros artilhados, lembro-me quando apareceu um Fiat 600 Abarth com o motor maior que a traseira. Tínhamos pilotos de Sintra, o António Onofre, com um Datsun 120 Y ou Datsun 1200 Coupé, o Marrazes com um BMW 2002 e o António Pombal com um Ford Capri.

Os nomes nacionais de que me lembro são o Ernesto Neves, Mário Silva, Américo Nunes, Giannone .etc

Todas estas provas eram de dia, e as curvas preferidas eram a dos Mayers ou a dos SSS.

Tudo acaba, sem justificação.

Rumou tudo a norte, as rampas, aí, sim, continuam ainda hoje.

O CARLOS MANUEL

Era o sonho de qualquer puto de Sintra, entrar naquela sala!

Toda aquela ansiedade de ir à estação, ver no placard a anunciar, ou ir lá, à porta, ver os cartazes expostos, com os filmes prá semana toda e as novidades que iriam sair.

A D. Romana, a vender os bilhetes, o Canelas à porta a cortar o bilhete, a D. Salete a arrumar as pessoas no lugar, no balcão, o Jacques, o inspetor, o bar, no 1º andar, são coisas que não esquecem.

Por acaso não me lembro do 1º filme que vi lá, mas ir ver “Os malucos vão à guerra” ou qualquer filme do Louis de Funés, numa matiné, são coisas que não esquecem.

Ou quando apareceu a “Guerra das Estrelas”. Um filme que não esqueço, da adolescência, foi o ” Expresso da Meia-Noite “.

Ou então ir ver uma saída de um filme de Karaté, isso era topo de gama! Aquela malta da zona saloia, que vinha nas motorizadas, saia aos gritos a dar pontapés pró ar, como o Bruce Lee, entortavam os sinais de trânsito e amolgavam os caixotes de lixo.

Era também noites para rir quando vinha um filme de motos, por exemplo! Quando apareceu o Mad Max, aquelas V5 e Zundapps, prego a fundo, direito a Lourel ou à Várzea, isso era outro filme, a malta sentada no muro do Casino a ver isso tudo.

Havia as célebres 4ªs feiras, dos filmes para adultos. Aí a malta saia em silencio e até se escondiam, porque ninguém queria ser visto a sair de filmes “desses”.

E também me lembro de quando apareceram os filmes românticos, indianos, por exemplo o Boby.

Ou Bud Spencer e Terence Hill, o cowboy insolente.

A ESTEFÂNIA

Quando eu fui para o ciclo preparatório a Estefânia era assim!

Para mim era uma cidade. Tinha todos os estabelecimentos, senão vejam!

Quando subia a Rua Dr. Alfredo Costa começava um mundo novo.

Tinha a correnteza,  com um belo jardim, depois: o Edifício dos TLP, donde saiam os homens para todo o concelho; uma sapataria; o Zé barbeiro; o Zé Silvestre, loja de tecidos e retrosaria; o António Augusto de Carvalho, das bicicletas e vespas, ganhou uma volta a Portugal; o alfaiate, Narciso, e loja de moda; o Banco Pinto e Sotto Mayor; a farmácia Marrazes; a Pensão Nova Sintra; o talho do Simplício; a loja do José Duarte Filipe; a Pastelaria Ideal; a ourivesaria Santos; os armazéns do Minho, de roupas; as  radiografias do Cadete; o Brancana, artigos de caça e pesca; a oficina da Ford, com as bombas de gasolina da Sacor; a ourivesaria Faria; a padaria; uma papelaria; a Gazcidla: a loja do Pombal; a Jodi, de brinquedos; uma taberna; uma loja de lãs; outra loja do Pombal, de móveis; a loja do Santana, retrosaria e arranjo de meias de vidro; a Sintra Garagem, recolha de carros e lubrificação; as pastelarias Tirol e Monserrate; o Jornal de Sintra; a loja da Singer; a loja do Joaquim de Galamares, mercearia e loiças; o Talho do Hermenegildo; o João de Olívia, frutas e legumes; a Sapataria Royal; a loja de decoração do A. Cunha; o cabeleireiro do Lúcio; uma costureira; a drogaria do A. Cunha; a loja, de roupas e moda, do Capote; a papelaria, e valores selados, Parracho; a ourivesaria Granja; a farmácia Simões, a loja, de fruta, da URCA; a TeleSintra, de eletrodomésticos; a pensão Económica; mais um talho; o Granja, fotógrafo; a loja Capricho, loiças e café; a mercearia, bem grande, dos Baetas; o Banco Totta e Açores: a loja do Sr. Nascimento, máquinas de costura e venda de gaz; o posto dos correios; a loja de móveis, do Paulo Raio; a loja de brinquedos, do Afonso; a sapataria Carreira; outra loja do Zé Silvestre e, finalmente, a drogaria Santos.

Atravessando todo este “mundo”, avisto, finalmente, o Casino, a minha futura escola!

COM O MEU PAI ÀS CASTANHAS NA BOIÇA

Desde pequeno que me habituei a ir apanhar castanhas ao Parque da Liberdade. Era fácil. Podia ir sozinho, mas tinha de ir cedo. Os jardineiros variam os caminhos cedo. O parque tinha muitos castanheiros. Era boa apanha se chovesse ou fizesse vento.

Quando o meu pai podia, íamos, na sua Vespa, à Serra, à Fonte dos Amores. Quem é de Sintra já lá foi, uma vez pelo menos. O caminho é pela estrada como se fossem para Seteais, quando chegam ao Largo, frente à Quinta do Relógio (que fica frente à entrada da Quinta da Regaleira), descem, entre muros, na primeira entrada de um caminho de saibro, à esquerda. Esse é o caminho que vai prá Fonte dos Amores, prá Boiça, prá Saibreira, onde era o campo em que a malta dos Seteais jogava á bola e quem sabia que o campo lá existia.

São coisas que não esquecem! Momentos de liberdade! Estar no meio da Serra a desfrutar do que a natureza nos pode dar. Poder apanhar castanhas nos caminhos, das grandes, ou medronhos e abrunhos, com que o meu pai fazia licor, ou trazer um garrafão de água, da Fonte dos Amores, fresquinha.

Às vezes o meu pai aproveitava para comprar um garrafão de vinho, quando vínhamos das castanhas, na Quinta do Relógio. O caseiro vendia vinho. São coisas que me dão vontade de rir. Era puto! Lembro-me que o sitio onde estava o vinho era por detrás da casa principal e o barril não tinha torneira, ele chupava por um tubo para retirar o “néctar”, como se faz quando se quer tirar gasolina, só que naquele caso até dava para beber uma pinga. Não me consigo lembrar do nome dele, era forte, com umas grandes rosetas na cara, muito castiço e simpático.

Enfim, coisas de infância …

BRINCAR NA RUA

Era preciso era imaginação, fértil!

Arranjar, ou encontrar, companheiros e partir à aventura.

Bastava uma cavilha, grande, para jogar ao prego. À minha porta tinha um bocado do passeio sem estar empedrado, era o canteiro de uma árvore, a terra até era mole, e lá se fazia uma “jogatana”. O primeiro a falhar passava ao seguinte. Havia malta boa nisso. Cavilhas “afiadinhas”, que nunca caiam.

Nesse sítio também dava para jogar ao “bilas”, às” covas” ou á “roda”. Gostava bastante e tinha alguma pontaria.

Mas era no atrevimento dos carros de rolamentos que me deliciava. Bastava cravar 4 rolamentos ao meu irmão, que trabalhava como mecânico, e umas ripas e umas tábuas, que eram restos dos cortes na carpintaria dos Parrachos, por detrás da estação, e estava feito!

Rampa de teste: “Ilha das Cobras “, ou Rua Conde Ferreira!

Era o sítio ideal. Ao fundo existia uma oficina, de bate-chapa e pintura, do Sr. Zé Burro. Durante o dia, tinha que se ter cuidado. Era mais ao fim da tarde. Ou então, atrevimento total, era descer junto à Câmara Municipal, por detrás, onde vai dar à Quinta do Visconde d’Asseca. Era uma descida curta, mas tinha umas curvas maravilha. Havia alguma cumplicidade por parte da polícia.

Era mesmo nas “barbas” deles, o posto da polícia era nas traseiras da Câmara, mas como éramos poucos e ninguém fazia queixa do barulho, dava direito a umas descidas.

AS DISCOTECAS DA PRAIA DAS MAÇÃS

Eu era puto quando ouvi falar na “Teia“. Tinha existido a uns 50 metros da Mercearia Camarão, no sentido das Azenhas, do lado esquerdo. Descia-se uns degraus e era uma casa, pequena. Ainda tinha a porta pintada!

A Concha! O gerente era o Valério, com Dj Joe, o porteiro, o Cartaxo. Era um grande sítio, com boa música, apetecível, por se situar no complexo das piscinas da Praia das Maçãs, um grande estacionamento. Estava sempre cheio. Tenho muito boas recordações!

O Maria Bolachas, do João Tojal! O porteiro era o “Nau “. No início era muito seleta nas entradas. Muito elitista. Mas, com o tempo, virou moda. Uma discoteca acolhedora e simpática.

O Quivúvi!!! O porteiro, Sr. Pedro, o dono, Sr. Necas, os Dj´s a Paula e o primo, Paulo. Foram tempos de muita maluquice! Fui um bocado viciado naquele espaço. Tenho muito boas recordações e algumas menos boas!  Não posso contar nenhumas!

Situação única! Na altura trabalhava como paquete, em Lisboa, na rua de Campolide, na “Promotécnica” e o Sr.  Pedro também trabalhava em Campolide, portanto, íamos no mesmo comboio. Quantas vezes ele me dizia: “oh puto, tens de ter juízo, senão ficas á porta “.

Eu era dos que tinha cartão livre-trânsito, mas ele era o homem da porta, era ele!!!

O Casino, do Sr. Moreira e do Sr. Monteiro. Era um restaurante, monumental, com sala de jogos no 1º andar, decidiram inverter o negócio,  e fizeram bem ,criaram um espaço diferente, com  ambiente diferente. Como começou nos anos 80 era mais DiscoSound.

O Moby Dick, na Praia Grande, foi uma segunda discoteca do Valério. O porteiro, o Amadeu. Começou a fazer sucesso pelas matinés. Frente ao mar, a receita era a mesma: boa música, bom ambiente, malta jovem!

O SoftTouch, no Penedo, era numa moradia, um excelente quintal. Fui poucas vezes. Era um ambiente selecionado. Tinha um 1º andar, como se fosse um bar, para se conversar e beber.

QUANDO APRENDI A PATINAR

São honras e privilégios de malta de Sintra!

Os primeiros “passos” foram dados no meu quintal! Uns patins velhos ajustados aos sapatos e lá dei os primeiros tombos.

Os meus irmãos mais velhos jogaram no Sintra.

Desde muito pequeno que me recordo de saltar o muro para ir ver os treinos deles. O portão que estava aberto, à noite, era o do Palácio Valenças, por isso, quem morava fora da Vila ou dava a volta ou saltava o portão da Volta do Duche. Era fácil, por detrás da casa do guarda, junto a uma árvore.

Comecei a dar as primeiras patinadelas no parque. Inscreveram me nos infantis. O treinador o Sr. Camilo.

Há coisas que não se esquecem. Limpar o ringue com o rodo para tirar a água ou as folhas e umas “pinhas”, que eram um perigo, caídas da araucária.

Não sei que idade tinha, mas o primeiro jogo que fiz correu mal. O guarda-redes ficou doente, então equiparam-me e fui para a baliza, coisa que nunca tinha feito. Jogo contra o Cascais, um puto mais atrevido alçou do stick e “mandou uma bujarda” que me acertou na máscara.

Fui logo ao “tapete” e até vi estrelas.

 Não tinha de ser!!!

Continuei sempre a acompanhar o meu irmão, nos treinos e nos jogos, mística que recordo com muita saudade. Ver jogos no parque. Noites mágicas, as “multidões” que vinham ver os jogos.

Não tive grande futuro como jogador, mas continuei a ir patinar, era o Sr. Zé quem tomava conta dos patins e então, á tarde, era muito bom passar uns bocados a patinar no Ringue do Parque.

QUANDO IR AO 2001 ERA RITUAL OBRIGATÓRIO

Eu fui tendo sorte, por ter irmãos mais velhos. Aí aos 14 ou 15 anos, algumas vezes, fui ver como era o 2001, à porta!

Aquela “gente estranha”, que vinha de todos cantos do país, em grupo, de mota, nos carros dos pais (sem eles saberem). Às quintas-feiras era uma “romaria “!

Era um fenómeno. Não havia nada igual no país. O som. A música rock. As novidades. O DJ “Augusto “!

Ouvia os mais velhos falarem disso tudo!

Quando ia lá, à porta, e as janelas estavam abertas, era como se estivesse lá dentro. Via o grande porteiro, Seixas, a barrar a entrada aos que já não estavam muito próprios para “consumo”.

Parecia fácil, mas entrei pela primeira vez no “ 2 “, ainda não tinha 18 anos, quando começou a haver matinés. Apesar de não ser o mesmo público das noites, fiquei todo “inchado” quando passei a porta pela primeira vez. Coisas de puto. O porteiro era o Manel, um barman.

Apesar de abrir todos os dias, as quintas-feiras eram um dia de sentido único!

Quantas vezes saí de casa para ir á Estefânia, ou à Portela, arranjar parceiros para ir e, não havendo transporte (a vontade era tanta), subi Chão de Meninos, a pé, até ao Ramalhão e aí, em pouco tempo, arranjar uma boleia para o 2.

Sem dúvida que foi (e é) uma discoteca de polémicas paixões e desavenças!

Infelizmente muitos que curtiram uma noite de rock não chegaram aos seus destinos, mas marcou (e marca) várias gerações.

Continua a” bombar”, na mesma, muito rock. Gente nova e antiga.

Os “bons filhos a casa tornam “!!!

A LICENÇA DE VELOCÍPEDES

É um mito!

Toda a gente dizia: “fui à Câmara tirar a carta de moto “.

Simplesmente a malta ia à Câmara tirar uma “Licença de Condução de Velocípedes”, no processo mais simples do mundo, apenas era necessário saber uns sinais de trânsito, básicos, ter motorizada e capacete.

Eu tinha 16 anos e comprei uma “Famel Foguete Santa Maria”, que me custou, na altura 1.500$00 (hoje, 15€), uma fortuna para mim, era do sogro do meu irmão, motor Zundapp, 3 velocidades de pé.

Lá fui eu! Inscrição feita na Câmara. Naquela época o exame era feito na Fiscalização, nas traseiras do Edifício, ao lado da Polícia.

Primeiro, era a teoria, estudada no momento com uma agenda, daquelas de bolso, facultada no local.

Segundo, não havia muita margem para enganos, era descer até ao “Rio do Porto”, dar a volta e fazer um oito frente à porta da Polícia.

Portanto, muitos olhos a ver!

Ou um gajo sabia andar ou estava lixado. Porque arrancar e descer era fácil, agora subir e fazer o oito já carecia de perícia, porque era feito em rampa. Correu menos mal, estava nervoso, e como morava ali perto até conhecia algumas das pessoas que estavam a ver.

Ainda me lembro da minha “distração”, montei-me na motoreta, de capacete no braço, o senhor explicou-me o que tinha de fazer e eu ia arrancar, sem capacete, nas barbas da Polícia e de quem me fazia o exame, ouvi logo: “ó artista mete lá o capacete “!

Correu bem, fiquei “encartado “, já não tinha de andar às escondidas.

Comecei cedo, 12, 13 anos em cima do passeio à porta de casa. O meu irmão tinha motorizado foi fácil. Dei alguns tombos, mas faz parte da aprendizagem. Velhos tempos em que se podia fazer isso em cima do passeio.

A Santa Maria foi marcante. Quando a comprei era toda preta, e eu dei-lhe cor. Depósito branco com as letras a dizer Santa Maria a azul, quadro amarelo, roda da frente vermelha, era “tutti – frutti”.

Todos os meses passava pela oficina, era frágil. Eu queria que andasse muito e “berrava”. Aquilo era motoreta à “velhote”, para ir para o trabalho, devagar.

Fazia corridas com as Casal Boss, que eram de duas velocidades, e estavam “normais”. As que estavam quitadas 75, voavam baixinho!

Bons tempos! Muitas rampas da Pena, a descer à noite, ligada e desligada, para ver quem embalava mais.

Às vezes corria mal e dava tombo, com muitas faíscas no meio do escuro, era o metal em contacto com o asfalto.

Tenho muita pena, não tenho uma única foto da Santa Maria.

ANDANDO À BOLEIA

Apanhar uma boleia em “Nunes Carvalho“, ou descer até à Ribeira e apanhar uma boleia frente ao edifício onde eram as oficinas das camionetas da “ Sintra Atlântico “, atual Centro de Ciência Viva, era uma boa “alternativa” para chegar à praia.

Digo alternativa porque o dinheiro, nessa altura, era “caro” e os nossos pais tinham mais em que pensar.

Uma noite, não tendo companhia para alinhar comigo numa ida até à Praia das Maçãs às discotecas, fui sozinho, pró Nunes Carvalho. Não era primeira, nem foi a última vez que o fiz sozinho.

Nem foi preciso esticar o dedo, para um carro claro, um Toyota Corola, queriam uma informação – para onde era a Praia das Maçãs!

“Eu quero ir para lá, se me derem boleia ensino o caminho”

Eram quatro gajos, da minha idade, e não conheciam o caminho.

Fui falando com eles, dando as indicações sobre como era a estrada sinuosa e a viagem foi boa, sem aceleradelas, e eu ia bem. Sendo malta como eu, íamos a falar da noite, das discotecas, do ambiente, até que percebi que algo se passava, iam a medo, perguntaram várias vezes se havia polícia. Aí fiquei mais “desconfiado”! Até que se descaíram, que o carro não era deles, “tinham feito o carro“!

O que ia a guiar não tinha carta.

Bem, escusado será de dizer que pensei, em segundos – “tou lixado”, tenho de me ver livre desta “seita”!

Já tínhamos passado Colares. Tinha de ser rápido, sem mostrar nervosismos. Antes de chegar à Piscina da Praia das Maçãs disse – “eu fico aqui, vou ter com uns amigos que estão à minha espera “, e assim foi, deixaram-me ali!

Respirei o ar da praia 350 vezes!

Já me livrei de boa!

Nunca mais os vi.

Como é fácil entrar numa aventura sem querer!

UMA BARRA DE SABÃO COMO DIVERSÃO

Apesar de ser fácil, para mim, arranjar rolamentos para fazer carrinhos, porque o meu irmão trabalhava numa oficina, era a verdadeira loucura, escorregar em tábuas untadas com sabão!

No início da minha rua havia uma rampa, a pique, junto à loja de Móveis Pombal.

Não tinha trânsito e era fácil arranjar tábuas, por baixo da loja era a oficina.

Bastava uma tábua, onde se pudesse sentar, apoiar os pés, as mãos por baixo das pernas, segurar bem e manter o equilíbrio.

Antes de sair de casa ia ao quintal, onde a minha mãe tinha um tanque de lavar a roupa, metia ao bolso um bocado de sabão azul e branco, e pronto, enquanto houvesse sabão, era diversão garantida e algumas esfoladelas, porque nem sempre corria bem!

Um dia colocaram um sofá no lixo, foi uma maravilha!

Colocámos umas tábuas por baixo dos pés, como se fossem skis, nas laterais, onde se colocavam os braços, pregámos uma tábua de cada lado, só com um prego, para podermos acionar como travão (quando se fazia força encostava no chão e fazia de travão), dava para dois, um sentado e outro atrás, de pé, escusado será dizer que era uma descida alucinante e arriscada, mas com muita diversão.

Éramos putos e não mediamos o perigo!

Essas descidas foram proibidas. Havia uma Senhora que tinha um galinheiro no final da rampa e onde ia todos os dias dar de comer aos bichos.

Um dia escorregou na descida, fruto de sabão a mais!

Acabaram as descidas, ali naquele sítio!

QUANDO AS DISCOTECAS ERAM UMA MIRAGEM

Eu vivi essa ansiedade!

Quando era puto comecei a ouvir a música dos meus irmãos mais velhos, em casa.

Depois com os amigos, em tertúlias em casa de cada um.

As “festas de garagem”, as “festas convívio”, no Sintrense, na sala do judo, os bailes na Sociedade da Vila, no 1º de dezembro.

Eram as primeiras saídas, em grupo e a pé.

A primeira vez que entrei numa discoteca tinha aÍ 10 ou 12 anos.

Foi no Maria Bolachas!

Nessa altura ia acampar para a Praia das Maçãs, com os meus pais, com consentimento do proprietário, o João Tojal, fazíamos “campismo selvagem”, num pinhal nas traseiras da quinta.

Um dia á noite, depois de muito insistir e com a curiosidade dos sons que se ouviam pela noite dentro, um vizinho do campismo, super- castiço, lisboeta, bem vivido, disse: “puto, hoje vamos à discoteca!”, e assim foi.

Um cota e um puto!

Entrámos pela quinta, descemos e fomos pelas traseiras da discoteca.

Resumindo, foi “sol de pouca dura”, porque éramos dois “extraterrestres”, que acabávamos de ter entrado pelo jardim. Fomos logo postos na rua!

A segunda vez foi na Concha!

O DJ era o Joe. Verão quente, o centro do mundo era a Praia das Maçãs. Parece exagerado, mas era verdade.

Tinha para aÍ 14 ou 15 anos e lá estava eu, à porta, a ansiar por um descuido do porteiro, o Cartaxo.

Nessa altura a varanda prá piscina estava aberta e com ajuda de malta amiga dei o “ salto“, mas, mais uma vez, foi “sol de pouca dura”.

Fui “agarrado”!

A ESCOLA PRIMÁRIA DA VILA VELHA

A Vila Velha, como todos os locais no nosso país, tinha pessoas castiças!

Lembro-me do Tarufa, um mecânico, que tinha a oficina no início das escadinhas do hospital.

O meu pai teve uma carrinha Austin 850, e, não sei porquê (porque era criança), meteu a carrinha, para reparar o motor, nesse celebre mecânico, que tinha “problemas” com o álcool, ou seja, só trabalhava enquanto tinha uma garrafa de tinto ao pé, mas era boa pessoa, simpático.

Quando acabou a “grande reparação”, a carrinha ficou sem meter a 1ª mudança!!!

Lembro-me como se fosse hoje!!!

Nesse ano, devia ter 9 ou 10 anos, o meu pai decidiu que iríamos fazer umas férias, viajando de Sintra até Caminha e acampando em todas as praias.

Eu e os meus pais!!!

Aventura digna de filme!!!

A carrinha era antiga, só tinha 4 velocidades, e como não tinha 1ª, o meu pai arrancava sempre em 2ª, aventura que recordo ainda hoje, com 48 anos.

Lembro-me de uma cena cómica, que presenciei quando acompanhava o meu pai à dita oficina,  havia um senhor, amigo do Tarufa, que estava lá a arranjar uma mota, do tempo da guerra, com sidecar. Um dia tentou meter a mota a trabalhar e fez isso à porta da oficina, virado para a rua. A mota era um monstro. Colocou-se em cima do pedal, para dar balanço, e qual não foi o espanto que, com a compressão que o motor tinha, – e ele também era um “pele e osso”-, saiu projetado com o retorno do pedal , indo cair no meio da rua .

Digno de um filme cómico!!!

E eu estava lá.  

O POLÍCIA SINALEIRO DA ESTEFÂNIA

O Augusto era o terror do cruzamento!

Azar de quem não parava, lá para meio da tarde, quando ele fazia “alto”!

Lembro-me como se fosse hoje!

Aqueles velhotes que vinham a Sintra, de ano a ano, penico enfiado em cima do boné, muito devagar, de pés a arrojar pelo chão, para ajudar no equilíbrio, atravessavam a Heliodoro Salgado, a custo, no meio do rebuliço do trânsito.

Sim, porque nessa altura havia vida!

Chegavam ao cruzamento, vindos debaixo, e não reparavam que o “Rei do Cruzamento” tinha feito ”alto”. Fazia aquelas alminhas recuar 2 ou 3 metros (para aprenderem a respeitar a autoridade).

Se já era difícil equilibrarem-se, recuar era trágico!

Quando os mandava avançar, coitados, tal era o nervosismo, que se desmontavam e atravessavam o cruzamento a pé, a empurrar a “Zundapp”. Se fosse o caso de irem à Câmara tratar da licença de caça, montavam – se, e como era a descer, estavam safos.

Demorei vários anos a compreender essa dureza, mas depois compreendi!

Estar no meio da rua, a inalar os gases dos tubos de escape, levava a uma “secura de garganta”, que era saciada na tasca defronte do cruzamento!

O TEMPO DOS TRENS SEM FRALDAS

No tempo em que os trens não usavam fraldas, a minha rua era, para mim, o centro do mundo!

Era quase auto- suficiente, só lhe faltava uma farmácia!!!

Vou começar uma viagem de baixo para cima, porque os Paços do Concelho merecem o mérito e honra de início desta rua, apesar de o edifício estar no Largo Virgílio Horta, era o centro de comando de todo o concelho de Sintra, a Câmara Municipal!

De seguida a Escola Conde Ferreira, onde começou a formação de vida de muita gente desta rua, em frente a Mercearia do Sr. Orlando, um autêntico “centro comercial”, na altura: até vendia” valores selados” e tinha moagem de café;

Ao lado da Escola a Estalagem da Raposa, do outro lado da rua a Padaria da D. Leopoldina, depois o Talho do Sr. Mário, os Restaurantes Quirino e o Luso-Brasileira; os Escritórios do Sr. Soares Ribeiro e o dos irmãos Moreira; a Cabeleireira Maria Alice; o Dentista, e Delegado de Saúde, Dr. Aires Gouveia; o Stand da Fiat; o Posto Clínico (Caixa), Registo Civil e Conservatória; o Restaurante Casa dos Frangos; a Loja da Oliva, da D. Maria; a Loja de Fotografia do Sr. Félix;

O Vidraceiro, Sr. Álvaro; a Sapataria Teixeira; a Igreja Evangélica; a Caixa Geral de Depósitos; a Drogaria do Sr. Messias; os Bilhares do Sr. Marcelo; a Sapataria Carreira; a Ourivesaria da D. Ivone; a Casa de Móveis Pombal; o Dr. Telmo Henriques; o Barbeiro e Calista do papagaio!!!

Ufa !!!!

Enfim, cheguei ao cimo da Rua e desfruto das belas vistas, debruçado no muro da “correnteza”!

De fato, esta era a Rua Dr. Alfredo da Costa, quando eu era puto, e os trens não usavam fraldas!!!

José Carlos Serrano

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3 thoughts on “A Sintra do meu tempo, por José Carlos Serrano”

  1. José luis Tomás

    Parabéns.
    Ainda não li totalmente este maravilhoso texto, mas gostaria de corrigir uma informação.
    Nessa época, que também é a minha, existiam mais 2 jogos de laranjinha em S. Pedro de Sintra, um na Sociedade Filarmônica dos Aliados e, outro na tasca Mourisca.
    …vou continuar a leitura.

  2. Rafael Maia

    Eheheheh … Bela descrição de locais, pessoas, acontecimentos … Revejo-me em muitas situações descritas !! Só nunca tive moto … 🙂 Os carrinhos de rolamentos (o meu pai arramjou-me umas rodas de borracha lá da Comportel que eram usadas nas portas dos elevadores, em tudo semelhantes a rodas de skate, as quais foram adaptadas pelo meu irmão Zé, mecânico serralheiro de primeira !!! O carro andava que se fartava e lá na rua só eu é que arriscava descer a rampa do Morais, a rampa lá da rua, onde nasci uns metros mais abaixo na nossa humilde casa …)

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