Com André Fausto damos início a um ciclo de entrevistas onde procuraremos dar a conhecer o que fazem muitos dos agentes culturais de Sintra e/ou em Sintra. Dando a conhecer percursos que por vezes nos escapam, mas que aí estão, poderemos reconhecer o Outro que somos Nós, a sépia ou a cores, tão distante mas afinal aqui ao Lado. A Cultura é feita também de encontros.
André Fausto é natural do Porto, é professor e ator no Teatro das Identidades, tendo sido professor na Escola Secundária Ibn Mucana. Estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema – IPL e tem um Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), tirado em em 2007 com a tese “Homem” apoiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Mestrando em Teatro e Comunidade na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC-IPL). Presentemente vive em Sintra.
Quem é o André Fausto? Fala-nos um pouco do teu percurso
Sou uma pessoa que caminha. No meu caminho tropecei na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde fiz licenciatura e mestrado em Ciências da Comunicação. Desviei para o cinema, trabalhando com o LABCC e a Fundação Calouste Gulbenkian para filmes de arte. Mas depois segui para o documentarismo, após formação com os Ateliers Varan, e aí dediquei-me principalmente à direção de som. Trabalhei na Cineteca di Bologna, e depois dei formação na área audiovisual. Uma grande curva, e em 2008, entreguei-me ao teatro, e não mais deixei. Teatro laboratório de Grotowski foi minha formação prática. Depois desviei um pouco em direção à arte comunitária, onde repouso, apesar de interligar os vários caminhos. Estou a finalizar mais um mestrado, desta vez, em Teatro e Comunidade, na Escola Superior de Teatro e Cinema. Desde 2014 que vivo com a minha companheira em Sintra, onde nasceu a minha filha.
A Arte está hoje em clara disrupção. Qual deve ser a mensagem que a mesma deve transmitir ao público ou públicos?
A disrupção da arte tem uma causa profunda – quando a arte se afirmou como arte, afirmou-se dentro de um contexto mercantilista. A arte separou-se das pessoas. Tornou-se um produto feito por uns especialistas. Como se não fôssemos todos criadores. Falo de um processo histórico consumado no Renascimento – o artesão convertido em artista. O que vemos agora é o resultado de um esvaziamento inevitável que vai ficando cada vez mais óbvio. A arte comunitária surgiu como resposta a esta questão, e hoje a arte do espetáculo está já a perder a sua força para a arte participativa. Então a arte deve transmitir a ideia de que somos todos artistas, ou melhor, criadores, e que é fundamental para a consciência humana e interações sociais os indivíduos desenvolverem a sua sensibilidade, a sua escuta, o seu movimento, a sua comunicação, a sua expressão, a sua plasticidade física, emocional e mental. E inspirar. E fazer imaginar. E avivar a memória.
As redes sociais promovem a cultura ou desviam o foco?
As Redes Sociais parecem, em geral, desviar o foco, mas também criam cultura. Talvez no sentido em que têm permitido a muita gente aperceber-se de certas coisas às quais vale a penar dar uma olhadela. Aponta e estabelece alguns contactos. Mas isso só se transforma em cultura quando desligas o aparelho e vais experimentar e aprofundar o tema ou estabelecer diálogos. “The medium is the message” ensinou-nos McLuhan. É uma grande frase para hoje. A tecnologia audiovisual é hoje não só tendencialmente uma forma de superficialização dos conteúdos e relações humanas, no contexto de uma sociedade de consumo, como, até mesmo, um problema de saúde pública.
Com que tipo de espetáculos ou intervenção artística mais te identificas? Deve a expressão artística ser contemplativa ou interventiva?
Na minha opinião, a expressão artística deve ser simultaneamente contemplativa e interventiva, pois também é assim o espírito humano. Precisamos de parar e observar, assim com de agir. É o teatro da nossa existência. É um equilíbrio. Grotowski falava da tensão entre liberdade e forma. Contemplas, ages, crias restrições, equilíbrios precários, caos, contradições, linhas, espaços, tempos. E depois inserimo-nos num determinado tempo e espaço: observamos e interagimos como diz a Permacultura. Criamos o nosso próprio mundo com as nossas convicções e acções. A arte comunitária é o sítio onde sinto que todos estes aspectos se conjungam melhor. Mas também gosto de criar coisas mais íntimas e mais controladas na forma, como meio de investigação mais pessoal – nesse campo se incluem os meus projectos musicais e de teatro laboratório, onde privilegio de qualquer forma sempre alguma participação dos observadores (o chamado “público”).
Hoje eras convidado para dirigir um espetáculo para jovens de Sintra. Que tipo de preocupações terias em primeiro lugar?
Ouvi-los. Saber quais as suas questões. Os seus problemas, os seus fascínios. Conhecê-los e aprender com eles. Criar um laço de honestidade e amizade. Depois faríamos algo bonito juntos.
Qual a tua opinião sobre os espetáculos em plataformas digitais e em streaming?
Acho que hoje é bastante claro as suas limitações. Mas as plataformas digitais, neste momento particular de contenção, são um recurso com relevância do ponto de vista formativo e da manutenção de relações e processos criativos.
Como vês a situação cultural num mundo pós pandemia?
Vejo uma maior transdisciplinariedade. Mais horizontalidade. Mais comunidade. Mais acção local. Mais consciência ecológica. Mais humildade. Mais criatividade na simplicidade. Mais silêncio. Mais educação. Mais poesia.
Tens ligações artísticas a Sintra? Queres realçar algum evento marcante e cujo exemplo seria de aproveitar?
Colaborei pontualmente com o Chão de Oliva e o TeatroMosca, pois ambos acolheram o projecto de música e poesia “Sê Tu Todo”. Mas, desde 2015, tenho estabelecido parceria efectiva com a Casa das Cenas – Educação pela Arte, muito devido à força poética da Maria Almira Medina e ao trabalho de arte comunitária do Jozé Sabugo. São um grupo pequeno e heterógeneo, onde há um diálogo interessante e honesto sobre cocriação, participação comunitária, educação não formal e consciência ecológica e local. Neste contexto, realço a peça de teatro comunitário “Madrugadeira”, com a poesia Maria Almira Medina, que trabalhou com diferentes comunidades. Foi muito bonito quando fomos fazê-la no Estabelecimento Prisional de Sintra.
“O movimento cultural precisa de mais consciência da história e dos processos sociais em curso”
O que falta ao movimento cultural para ter mais peso e visibilidade enquanto classe?
Creio que precisa de mais consciência da história e dos processos sociais em curso. De mais humildade. Mais descentralização. Menos ego. Mais cooperação. Mais diálogo efectivo. Precisa de se queixar menos, mas de forma mais competente, recorrendo a processos legais em casos de incumprimento e incompetência institucional. E valorizar-se mais.
Qual a tua agenda próxima?
Acompanhar os meus filhos. Ir ver o pôr do sol com a minha mulher. Multiplicar o meu plantio de aromáticas e podar as árvores de fruto. Preparar o projecto de arte comunitária e ecologia CASA-ÁRVORE com 7 parcerias e o apoio da Câmara Municipal de Sintra, Junta de Freguesia de Agualva e Mira Sintra, Missionários Consolata e Escola Superior de Teatro e Cinema. Dia 6 de Outubro vou estar no espaço Alkantara no âmbito da Bienal de Artes Performativas. Dia 18, vou moderar com Beatriz Wey, socióloga e docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma conversa via zoom intitulada “Consciência e Cooperação”. Finalizar o meu mestrado. Ensaios de Teatro de identidades (Câmara Municipal de Sintra) e Sê Tu Todo e mais alguns desvios bons.
Indica-nos um sonho profissional que gostasses de realizar
Neste momento, tenho a boa sorte de estar a realizar dois sonhos profissionais: um projecto transdisciplinar de arte comunitária e ecologia – CASA-ÁRVORE (clip abaixo)- e a gravação de EP SÊ TU TODO. Para além desses, creio que um trabalho de intervenção comunitária em diferentes partes do território nacional com a colaboração de Eugenio Barba/Odin Teatret e Geoff Lawton.
Website andrefausto.weebly.com
Entrevistador Fernando Morais Gomes