Dizem que morreu a rir e diz-se que foi de ataque cardíaco após 38 anos de internamento na Casa de Saúde do Telhal. Pouco se sabe acerca das circunstâncias da morte do poeta ‘louco’, como pouco se soube da sua vida e da obra, escrita integralmente no manicómio. “Foi muito mal tratado pela sociedade,um caso de abuso psiquiátrico, de miséria nacional e institucional”, disse Álvaro Lapa, conterrâneo de António Gancho, que lhe arranjou editor quando o poeta o informou de que tinha um livro por publicar.
Homem de grande lucidez poética, como o retratou Manuel Rosa, da Assírio & Alvim, a editora que publicou aquela que é considerada a grande obra de António Gancho, O Ar da Manhã, em 1995. Um livro que, segundo o poeta, “são quatro livros” num volume O Ar da Manhã, Gaio do Espírito, Poesia Prometida e Poemas Digitais de onde se destaca este “Noite, vem noite sobre mim sobre nós/ dá repouso absoluto de tudo/ traz peixes e abismos para nos abismarmos/ traz o sono traz a morte…”
António Gancho nasceu em Évora em 1940 e desde os 20 anos que correu várias instituições psiquiátricas. Dizia ser Luís Vaz de Camões, Bocage, Kafka, Pessoa e todos os escritores que admirava. Dizia ainda que não sabia por que escrevia, que o escritor “só pode ser escritor quando já nasceu escritor” e que “a imaginação é tudo.
É ela que deve estar ao comando da inspiração, quero dizer, a inspiração deve comandar a imaginação do autor, do escritor, do poeta.” (in A Phala, n.º45). Herberto Hélder deu-o a conhecer, com uma selecção de 11 poemas, em Edoi Lelia Doura das Vozes Comunicantes da Poesia Moderna Portuguesa (Assírio & Alvim). E foi a Herberto Helder que Manuel Rosa recorreu quando se lhe pediu para classificar a poesia intensa e de matriz surrealista de António Gancho.Era um poeta nocturno, de uma poesia nada construída, muito espontânea.
Bibliografia: O Ar da Manhã (1995) / As Dioptrias de Elisa (1997)
“… Suponho que de tudo o que escrevi
só o amor
só o amor louco me disse
o que era a poesia
só o amor e os teus lábios
o teu sexo
a tua púbis incandescente
só isso canto e cantei
e cantarei …” [A.G.]
Sintra ainda não homenageou convenientemente o seu poeta nocturno. Mas lá onde estiver, há-de rir a bom rir quando o fizerem.