Arquivo Histórico de Sintra: O Enterro da Memória.

Um artigo de opinião do nosso associado Ricardo Duarte

 

Data de 1962 a vontade de se criar no Palácio Valenças, um serviço de recolha, tratamento e salvaguarda de património documental respeitante ao concelho de Sintra, iniciativa levada a cabo pelo saudoso escritor sintrense Francisco Costa. Se no início tal actividade era apenas resultado da dedicação e amor ao património histórico sintrense, toda esse trabalho foi evoluindo do ponto de vista metodológico e científico, que originou o estabelecimento efectivo de um Arquivo e Biblioteca públicos, disponibilizados pela CMS.  E de saudar é também o facto de tal património ter vindo a estar albergado ao longo do tempo no Palácio do Conde de Valenças, porquanto é tal edifício um exemplar arquitectónico indissociável da Memória e Identidade da Sintra histórica e como tal o casamento dos dois tipos de património revela-se sobremaneira adequada.

Um Arquivo Histórico, além das funções de depósito e guarda de património documental, deve também ter funções pedagógicas e de promoção cultural. Também aqui se verifica que tais desígnios têm sido adequadamente atingidos por via das diversas exposições temáticas organizadas pelos funcionários do Arquivo Histórico de Sintra no próprio edifício do arquivo. Dessa forma, não só é estabelecido o diálogo cultural e pedagógico com os públicos como também é dado a conhecer um património que por via da sua especificidade não está, como se compreende, à vista de todos de forma aberta. Realçam-se por isso as exposições documentais “História do Eléctrico de Sintra” em 2013/2014, “O Primeiro de Maio em Sintra” em 2014, “O Vinho de Colares” em 2012, entre outras.

Em conjunto com o Arquivo Histórico de Sintra, funcionou também no Palácio Valenças a Biblioteca Municipal até 2003. Foi este serviço transferido naquela data para novas infraestruturas na Casa Mantero, tendo para isso a CMS investido na recuperação daquele edifício então ao abandono.

Ora, se tal transferência se observa adequada e coerente num contexto de política cultural e acesso a públicos, tal não acontece com a acção em curso de transferência do Arquivo Histórico para Lourel, adicionando-o ao Arquivo Intermédio.

No seguimento de tudo a que atrás se expõe, facilmente se conclui que um arquivo não é um simples armazém. Embora possam estar a ser tidas em conta nesta decisão eventuais características técnicas mais adequadas à preservação documental nas instalações de Lourel, a verdade é que o Palácio Valenças também tem vindo a sofrer obras de requalificação e ao longo destes 60 anos não se conhecem casos de perda documental por qualquer motivo.

No imediato, atenta-se à Memória, individual e patrimonial, e perde a CMS um espaço cultural no sentido da promoção histórica e patrimonial do concelho de Sintra. Alguém pensará que as mostras documentais futuras, do tipo das descritas, farão deslocar pessoas a Lourel? Merecerá um património secular, muito dele sendo até espólios particulares oferecidos à CMS por personalidades ligadas à história de Sintra (Consiglieri Martins, José Alfredo, Silva Marques, etc,) ser enviado para um simples armazém?

A longo prazo perde a CMS, se a saída do AHS do Palácio Valenças for a última solução de um problema qualquer, a oportunidade de poder albergar por meio de protocolo ou cedência, outros arquivos, institucionais e particulares, que se encontram dispersos e em estados díspares de salvaguarda (arquivo da Santa Casa, Paroquiais, etc.), em novo edifício que melhor assista os interesses de que este tipo de património se reveste.  Não é a tal obrigada, obviamente, mas não é o dever de uma Câmara Municipal a defesa de todo o património que à sua área de intervenção diz respeito?

Por último, sublinhar a forma como todo este processo tem vindo a decorrer. Numa altura em que proliferam outdoors publicitando o eventual cariz de transparência do exercício da gestão camarária, neste particular domina o seu contrário. Tudo é feito no total silêncio e em passo apressado. Porquê?

Ricardo Duarte

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