Com mais de 120 participantes, a música de Javier Álcantara, Débora Rodrigues, Maria Anadon e David Zaccaria decorreu no Salão de Galamares o jantar anual da Alagamares, durante o qual foi prestada homenagem ao escritor Luís Filipe Sarmento pelos 40 anos da sua vida literária, a cabo de outro escritor sintrense, João Rodil.
Algumas fotos do evento de 19 de Dezembro, da autoria de Cristina Vieira:
2015 foi mais um ano de solidificação da Alagamares, durante o qual celebrámos 10 anos dum percurso independente e empenhado. Independente dos partidos mas não das políticas, e sem submissão a lógicas paroquiais, sem prejuízo das convicções e opiniões públicas e privadas dos seus membros individualmente. Empenhado na defesa do património, na valorização dos criadores e criativos de Sintra, na dinamização da sociedade civil pelo desassossego mental e sobressalto cívico que muitos propalam mas pouco praticam.
Vivemos dias perigosos. Perigosos pelo triunfo do financeiro sobre o ético e das meias palavras sobre as ideias. Perigosos pela desvalorização da massa crítica e dos agentes de mudança em prol das redes sociais massificantes e do pensamento único higienizado.
Em 2015 celebrámos 20 anos de Património Mundial, e se muito foi feito nestes anos, (e ainda recentemente, a criação do Gabinete do Património Mundial e o centro UNESCO), continua de pé a resolução dos problemas da mobilidade e estacionamento, a política de preços para as visitas, e a definição sobre o modelo de turismo pretendido, na atávica pulsão entre o excursionismo de massas e um turismo selectivo e restritivo.
Em 2015 vimos perigar os direitos do Homem, nas ruas de Paris, nas chicotadas a Raif Badawi ou nas acusações a Luaty Beirão. Mas também de Paris vieram sinais de esperança no fim do ano, com ténues promessas de arrefecer o planeta e o conforto da encíclica verde do Papa.
Em 2015 continuámos a divulgar novos valores da música, e da literatura, das artes e da ciência, continuou a palavra plural do Sintra Deambulada, debateu-se o património, o Islão e o choque com um mundo insurrecto e disruptivo. Mas Palmira foi destruída, a Síria devastada deixando milhões em fuga, e partiram alguns dos nossos melhores, de Manoel de Oliveira a Herberto Hélder, de Mariano Gago a B.B.King, de Ana Hatherly a José Fonseca e Costa ou Francisco Castro Rodrigues.
Em 2015 passaram 600 da conquista de Ceuta e da morte de D. Filipa de Lencastre, 500 da morte de Afonso de Albuquerque, 100 anos da edição do primeiro numero do Orpheu e o centenário da morte de Ramalho Ortigão, e em Sintra os 90 anos da criação da freguesia de Queluz, os 80 da morte de mestre Artur Anjos Teixeira, os 70 da construção do Cine-Teatro Carlos Manuel, os 60 da inauguração do Hotel de Seteais, os 40 da inumação de Ferreira de Castro na Serra de Sintra e, sobretudo, os 20 anos da elevação de Sintra a Património da Humanidade, número redondo que impõe festa e regozijo, mas também responsabilidade, segurança na acção e firmeza no caminho a prosseguir.
Permanecem, é certo, nesse domínio, diversas áreas para melhorar. A gestão dos parques e jardins requer o apoio de escolas de conservação especializadas similares às que já existem para o património edificado, com trabalho de investigação. Houve porém uma mudança de paradigma com a filosofia de “abrir para obras” acompanhando as recuperações em curso, atitude internacionalmente aconselhada, já se tendo verificado no caso do Chalé da Condessa e no castelo dos Mouros.
Aproveitámos este jantar para prestar tributo a uma figura da nossa vida cultural que há muito reside entre nós e este ano celebra 40 anos de vida literária: Luís Filipe Sarmento.
Cidadão do mundo, e frequente retirante em Sintra, Luís Filipe Sarmento é um escritor do Prazer e por prazer, espelhando os nossos dias sem umbiguismo mas onde o Espelho está sub-repticiamente presente, construtor de avatares da alma onde diletante joga com a arte, a liberdade e o prazer, num desfiladeiro de incertezas, original arquitecto duma peculiar gramática dos sentidos. Obrigado, Luís, pela patrulha de almas aflitas que vens perseguindo nos últimos 40 anos, muitos deles puxando pela jangada de pedra que une a velha Ibéria ao novo Mundo de velhos irmãos, chorando ao som dum suave português ou dum tonitruante castelhano.
2016 aí está, desafiador e renovado, e a Alagamares também, não só pela renovação de parte dos seus órgãos sociais, a partir de Janeiro, como pela permanente inquietação que a falta de acomodamento a estados comatosos suscita, seja na consciência individual de cada um, seja na tomada de posição conjunta por valores e práticas a que ser membro da Pólis nos obriga. Estaremos na rua ou nas tertúlias, no espaço virtual e na multimédia, chamando à participação pluridisciplinar e intergeracional as figuras com iniciativa, ideias e conhecimentos, eruditas ou populares, que possam enriquecer e fazer diferente, razoavelmente exigindo o impossível.
Disse um dia Nelson Mandela: “Não existe nenhum passeio fácil para a liberdade em lado nenhum, e muitos de nós teremos que atravessar o vale da sombra da morte vezes sem conta até que consigamos atingir o cume da montanha dos nossos desejos.”. No silêncio das nossas consciências, na ponta das nossas canetas ou no grito das nossas aspirações, sejamos dinâmicos em nossa casa e na nossa comunidade, acordados que não parados, activos que não passivos, conscientes que não pacientes, pela claridade que faz o Dia e não pela espuma dos dias.