No dia 13 de Janeiro de 1935, um domingo, Fernando Pessoa escreveu uma carta, em resposta a uma outra do seu amigo e crítico literário Adolfo Casais Monteiro, onde expôs a génese dos seus heterónimos, nomeadamente do mestre Alberto Caeiro e seus discípulos Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
O que pretendeu ser uma partida ao seu amigo Mário de Sá – Carneiro, mediante as suas próprias palavras, com a invenção de “um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já não me lembro como, em qualquer espécie de realidade”, transformou-se no momento que iria marcar toda a literatura do século XX: o dia 8 de Março de 1914, denominado pelo próprio Fernando Pessoa como “o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim”. Nascia o mestre Alberto Caeiro, com o “O Guardador de Rebanhos”, – que lhe pareceu ser logo o seu mestre – e os discípulos que Fernando Pessoa tratou de lhe descobrir: nasciam Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
No dia 8 de Março de 2014 decorreram cem anos sobre o “dia triunfal” de Fernando Pessoa, e a Alagamares – Associação Cultural marcou essa efeméride com a realização de um colóquio na Biblioteca Municipal de Sintra – Casa Mantero.
O colóquio foi dominado pelas intervenções dos oradores convidados: O historiador João Rodil abordou o heterónimo Alberto Caeiro; Luís Tavares, filósofo, fez uma exposição sobre Álvaro de Campos; a Jorge Telles de Menezes pertenceu a exposição sobre Ricardo Reis;Renato Epifânio, presidente do MIL- Movimento Internacional Lusófono, teve a seu cargo a abordagem da personalidade de Fernando Pessoa ortónimo.
As intervenções foram intercaladas com a declamação de poemas dos heterónimos e do ortónimo pelo actor e encenador Rui Mário.No espaço da biblioteca foi possível a aquisição de livros de poesia que marcam a efeméride, assim como de autores sintrenses, pela instalação de um local de venda patrocinado pela livraria Dharma, de Mem Martins.
Arrastando a profunda dor de pensar o mundo, como sibilinamente referiu João Rodil, Pessoa, disfarçado ventríloquo da alma, terá provavelmente inventado esta data na sua perturbada existência de mundos oníricos e (im)possíveis, na construção dum universo onde foi um filósofo sem filosofia, como o classificou Renato Epifânio. Da sessão, bastante concorrida, resultou a vontade de redescobrir o autor dos heterónimos para quem o tempo é coisa inventada pelo Homem, e a noção de quanto ele foi efémero camaleão atormentado atravessando essa efeméride que é a Vida.
SOBRE OS ORADORES
RENATO EPIFÂNIO
Renato Epifânio é Membro do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira e da Direcção da Associação Agostinho da Silva; Secretário-Executivo da Comissão das Comemorações do seu Centenário; investigador na área da “Filosofia em Portugal“, com dezenas de estudos publicados. Tem Licenciatura e Mestrado em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; doutorou-se, na mesma Faculdade, com a dissertação Fundamentos e Firmamentos do pensamento português contemporâneo: uma perspectiva a partir da visão de José Marinho (IN-CM, no prelo). É autor das obras Visões de Agostinho da Silva (Zéfiro, 2006), A Via Aberta do Pensamento Português Contemporâneo (Zéfiro, no prelo) e Repertório da Bibliografia Filosófica Portuguesa (Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2007), já em parte publicado na Philosophica, Revista do Departamento de Filosofia da F.L.U.L. Partilha, com Paulo Borges e Celeste Natário, a Direcção da Revista Nova Águia, sendo o Director da colecção com o mesmo nome na Zéfiro. Faz ainda parte da Comissão Coordenadora do MIL-Movimento Internacional Lusófono.
LUÍS TAVARES
Licenciado em Filosofia pela UNL. Alguns artigos e traduções em revistas e online: “Comunicação e Sociedade” e “Configurações” (Universidade do Minho); “Comunicação e Linguagens” (UNL); Nova Águia; Site da SLP (Sociedade da Língua Portuguesa). Alguns prefácios e livros de edição de autor e co-autor. Realização de algumas entrevistas em vídeo: Eduardo Lourenço, Fernando Belo, José Trindade Santos, entre outros. Actividade em artes plásticas durante vários anos.
JOÃO RODIL
Historiador, investigador na área de história, etnografia e literatura, com obras publicadas sobre a história da região de Sintra, partilhando os segredos que esta Serra sagrada encerra e tem-se dedicado ao longo de vários anos a esculpir uma outra montanha – a do imaginário dos homens, com o seu amor pela beleza da paisagem, património e cultura.
JORGE MENEZES
Poeta, tradutor, dramaturgo, cultor de spoken word. Sintra estruturou a sua existência. O verdadeiro cosmopolita é o mais puro defensor da tradição. Cresceu como ser humano quando traduziu Martin Heidegger e William Faulkner. De poesia publicou os livros In einer Fremden Stadt eSelenographia in Cynthia e o romance Novelos de Sintra. É contra a civilização do petróleo e só usa transportes públicos.
Rui Mário, conhecido actor e encenador sintrense, colaborou lendo poemas dos vários heterónimos.
Veja as intervenções aqui (YOU TUBE)
PARTE 1
PARTE 2