Conhecer a Casa da Achada, parceira da Alagamares

A Casa da Achada- centro Mário Dionísio é uma instituição cultural com a qual a Alagamares tem um protocolo de colaboração já antigo, agora revitalizado, com a promessa de colaborações profícuas no futuro, e para tanto falámos com Diana Dionísio que nos falou do que é e pretende ser esse importante centro cultural no coração da Lisboa Antiga.

9 de Outubro de 2010- Conferência “Mário Dionísio e Galamares” por Eduarda Dionísio e Filomena Marona Beja. Participação da Casa da Achada

Como e quando surgiu o projeto da Casa da Achada, e quem foram os seus dinamizadores? Falem-nos um pouco do vosso percurso.

A Casa da Achada – Centro Mário Dionísio foi fundada em 2008, como Associação cultural sem fins lucrativos. Em 2009 abriu as portas ao público. Formou-se simultaneamente como um «arquivo vivo» e como Associação cultural com a missão principal de permitir o estudo e dar a conhecer a vida e a obra de Mário Dionísio (1916-1993), professor, pintor, escritor, crítico (de literatura e artes, sobretudo) e homem com intervenção cívica relevante.

Para além disso, a Casa da Achada tem uma intervenção cultural permanente no bairro onde se situa (São Cristóvão, em Lisboa), na cidade de Lisboa, no país e no mundo. Desenvolve desde o seu início uma actividade intensa em torno da obra de Mário Dionísio, mas também levantando questões e suscitando debates sobre a sociedade e a cultura actual, promovendo acções ligadas à escrita e à leitura, mantendo uma biblioteca pública, um espaço de exposições e sendo lugar de inúmeras outras actividades culturais e artísticas, incluindo projecções de cinema, um grupo de teatro comunitário, um coro amador e oficinas de todo o tipo. Tem ainda editado (ou reeditado) a obra de Mário Dionísio em todas as suas vertentes e outros livros que com a sua obra e a sua vida se relacionam.

“Somos atores na Cidade e no Mundo”

O diálogo com a Comunidades é revelador de realidades distintas? Em que pode isso influenciar o vosso trabalho enquanto atores e encenadores?

Não percebemos bem a pergunta. A Casa da Achada intervém sobre realidades distintas, sim, numa perspectiva de democratização do acesso às artes e ao pensamento. Somos «actores» na cidade e no mundo. Mas não somos «encenadores» de cultura. Desgosta-nos a «encenação» das cidades que actualmente predomina, no «grande teatro do mundo», orientada para o lucro e que persiste em expulsar as pessoas da cidade que lhes pertence.

Têm algum referencial estético ou autores de culto que ainda gostassem de apresentar?

A divulgação da obra de Mário Dionísio conduz-nos ao confronto com muitas estéticas e muitas tendências da arte de todos os tempos. Interessa-nos a diversidade estética, os seus «conflitos» e as suas «unidades», para usar os termos de um ensaio de Mário Dionísio sobre arte e sociedade («Conflito e unidade da arte contemporânea»). Não praticamos o «culto» de nenhum autor. Nem queremos erigir estátuas a Mário Dionísio. Queremos conhecer e dar a conhecer aquilo que muitas vezes é posto de lado, pouco ou mal conhecido. Na literatura, naturalmente vamos parar a obras como as de João José Cochofel, Carlos de Oliveira ou José Gomes Ferreira, amigos e cúmplices de Mário Dionísio. Mas todas as artes nos interessam, mesmo a arte pública sem «nome de autor» nem «assinatura». Sobretudo as artes que, de algum modo, nos põem «fora do nosso quintal» ou que, na sua atitude e modo de fazer, põem um «pauzinho na engrenagem».

Coro da Achada

Em vossa opinião, quais são as principais virtudes e carências do vosso trabalho?

Julgamos que a intensa, pertinente e regular actividade da Casa é uma virtude, mas ao mesmo tempo revela uma carência: é preciso sempre fazer pela vida, procurar modos de financiamento, arranjar soluções para não sucumbir aos modelos empresariais, ao conformismo social, à superficialidade e à ideia falsa de «cultura» como sinal de distinção. Ao mesmo tempo, é preciso sempre mais gente curiosa e activa, que nos ajude a levar a Casa da Achada para a frente com ideias, mãos, vontades. Nunca é demais.

Há uma linguagem e uma dramaturgia próprias dos territórios abordados, nomeadamente tendo em conta públicos urbanos ou mais ruralizados?

Mário Dionísio sempre viveu em Lisboa e a Casa da Achada situa-se também no centro de Lisboa, o que nos faz ter um público mais urbano do que rural.

 Há no público português um sentido crítico ou o espetador é sobremaneira passivo e consumidor de produtos culturais?

Há vários problemas na pergunta: o que é «o público português»? O que são «produtos culturais»? Claro que há sentido crítico em toda a parte, e ele deve ser estimulado. É preciso pensar a cultura como um conjunto de processos de transmissão e aprendizagem dinâmicos, transformadores no sentido da emancipação e da igualdade. É preciso pensar as artes (que não são o mesmo que «cultura») não como «produtos culturais» a consumir, mas como práticas, fazeres, que serão tanto mais interessantes quanto mais forem partilhados, discutidos, pensados e feitos por todas as pessoas. Também por isso temos um grupo de teatro comunitário e um coro aberto à participação de todos, e muitas mãos diferentes se metem na construção desta casa e na organização de sessões e projectos.

“O objectivo deve ser dar ferramentas a todos para poderem fazer arte”

Que políticas públicas podiam e deviam ser seguidas para sedimentar o gosto pela Cultura?

Há muito a fazer no campo da educação (que não é só escola). Há muito a fazer no campo da cultura (que não são só as artes e o património). Mas o «gosto pela cultura» não é um objectivo em si mesmo. O objectivo deve ser dar ferramentas a todos para poderem fazer arte, partilhar o conhecimento artístico, usufruir da beleza, estimular o exercício crítico e o questionamento contante, saber fazer para transformar a vida. A arte não é um adereço, nem um complemento dispensável. É algo de fundamental na vida de todos, de essencial no conhecimento de nós próprios e dos outros. A procura da beleza não é exclusiva das artes nem se encontra só nos museus. Como dizia William Morris, a beleza deveria ser procurada no quotidiano, a fazer pão, na pesca, na arquitectura ou na ciência, nas artes grandes e nas pequenas, na relação com os outros também. Mas impede-o um sistema baseado na exploração, no trabalho escravo, na competição, no lucro, na estupidificação constante.

Mário Dionísio

 A Casa da Achada tem-se dedicado a preservar a memória e obra de Mário Dionísio. Qual o papel e o contributo que Mário Dionísio deu para a Cultura, em geral?

É difícil dizer em duas palavras. Mas são importantes as suas reflexões sobre a educação, a cultura, as artes e os mil fios que as ligam a toda a sociedade. Foi divulgador e crítico atento da obra de muitos outros escritores e pintores. Pensou profundamente o papel das artes (sobretudo a pintura e a literatura) na sociedade (por exemplo no seu ensaio A Paleta e o Mundo). Significativo é o seu papel de permanente chamada de atenção para os erros crassos que se cometem na educação e as suas perspectivas do que poderia ser uma educação emancipadora. Tudo o que fez, pintou e escreveu tem essa marca de alguém que imaginou um mundo diferente e lutou contra as injustiças deste. Não só nos seus combates contra o fascismo português, mas até ao fim da vida. O seu diário Passageiro Clandestino (agora a ser editado pela Casa da Achada) mostra-o muito bem. E foi também um poeta – «em tudo», como ele escreveu um dia.

Quais são os vossos projetos para o futuro?

Continuar a editar e divulgar a obra de Mário Dionísio e a debater as questões que pôs e que ainda são actuais, realizando conversas, oficinas, sessões de cinema, etc. Continuar a oferecer ferramentas fundamentais inexistentes no bairro em que se situa, como por exemplo uma Biblioteca Pública. Criar laços com outras associações e grupos com quem faça sentido fazer coisas em conjunto.

Sobre a Casa da Achada:

e-mail: casadaachada@centromariodionisio.org

página: http://www.centromariodionisio.org/

    notícias: http://noticias.centromariodionisio.org/

mapa: http://www.centromariodionisio.org/localizacao.php

ATIVIDADES DA CASA DA ACHADA

EXPOSIÇÃO «MÁRIO DIONÍSIO – VIDA E OBRA»

A exposição itinerante «Mário Dionísio – Vida e Obra» é constituída por 13 painéis de PVC (2mm) de 110 x 87 cm, com textos e imagens, que dão conta da vida de Mário Dionísio (1916-1993).

Saber aqui mais: https://centromariodionisio.org/exp_vida_e_obra.php


SESSÃO SOBRE O PASSAGEIRO CLANDESTINO

Apresentação de Passageiro Clandestino, diário até agora inédito de Mário Dionísio, obra que está a ser publicada em 5 volumes organizados e anotados por Eduarda Dionísio. O diário foi escrito intermitentemente a partir dos anos 50 e, além de relatar a vida e a obra do autor, é também uma profunda reflexão sobre a sua época e é uma ocasião para compreender melhor uma parte da história do país, graças também às notas de Eduarda Dionísio.


PASSEIOS «A LISBOA DE MÁRIO DIONÍSIO»

Mário Dionísio era um espírito livre, atravessou toda a ditadura, mas conseguiu recortar o seu espaço de liberdade: a escrita, a pintura, o jornalismo e, depois, os cafés, as tertúlias, o empenho político, nunca abdicando do seu «mundo». Com dificuldades, com derrotas, mas nunca se rendeu.

Este passeio quer ser uma (re)descoberta da Lisboa diferente de Mário Dionísio, do MUD e do Diabo, do Grémio Alentejano, do Café Portugal e do Martinho. Locais cheios de histórias e estórias que serão visitados e acompanhados com a leitura de excertos de livros, entrevistas, artigos e poemas do Mário Dionísio, protagonista desta Lisboa livre.

Passeio orientado por Eupremio Scarpa.


ESPECTÁCULO ASSOBIANDO À VONTADE

O Grupo de Teatro Comunitário da Casa da Achada está a preparar uma peça de teatro sobre o conto «Assobiando à vontade» de Mário Dionísio que estará pronta para apresentação em Junho ou Julho deste ano.

MÁRIO DIONÍSIO E GALAMARES

Mário Dionísio em Galamares, nos anos 50

Há uma ligação forte entre Mário Dionísio e Galamares, terra onde nasceu a Alagamares. No espólio de Mário Dionísio há fotografias e textos datados que falam do paraíso que era para ele Galamares: entre 1953 e 1957, quando andava às voltas com a A Paleta e o Mundo, obra em fascículos, cujo primeiro volume acabou de ser publicado em 1956, e o segundo volume em 1962. Mário Dionísio tinha alugado uma casa «ao ano», como se dizia, a casinha então isolada do Sr. José da Quinta, que vivia nas traseiras, ao fundo de uma estrada escalavrada que ia da linha do eléctrico lá para cima, na curva onde se vendiam as belas “nozes douradas de Galamares”… Começou  por ficar na Pensão Mariana, o “ferro eléctrico”, que era mais barata do que as “Caves de S. Martinho” mais conhecidas por “café do Sr. Alcino”. Os amigos  lá passavam férias ou os iam visitar: Ferreira de Castro, Alfredo Guisado e família, etc.

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