Contador de Argote, Erudito de Colares

Jerónimo Contador de Argote nasceu em Colares a 8 de Julho de 1676 e morreu em Lisboa a 9 de Abril de 1749 e foi um clérigo teatino e historiador, membro da Academia Real da História Portuguesa, autor de algumas obras pioneiras de gramática portuguesa e de história da igreja.

Destinado à vida eclesiástica, fez os primeiros estudos na cidade do Porto e com apenas 11 anos de idade ingressou no Convento de Nossa Senhora da Providência de Lisboa, onde estudou Teologia e Filosofia e se dedicou aos estudos escolásticos. A 22 de Janeiro de 1689 tornou-se clérigo regular da Ordem dos Teatinos (ou Ordem da Divina Providência) e terminados os estudos permaneceu naquele convento, ocupando-se no ensino da Filosofia.

Transferiu-se para o Colégio Jesuíta de São Francisco Xavier, de Lisboa, onde aprofundou os seus conhecimentos de língua latina. Contudo, problemas de saúde obrigaram-no a interromper os estudos e a transferir-se para o Minho, onde permaneceu no convento da sua ordem de Braga até 1715. Durante a sua estada em Braga dedicou-se ao estudo da história eclesiástica daquela arquidiocese, realizando pesquisas históricas que fariam dele um dos pioneiros da moderna historiografia portuguesa. Recuperado, regressou a Lisboa e retomou os estudos na Academia Portuguesa e especializou-se em História Sagrada e Profana.

Como gramático revelou-se de orientação moderna, fornecendo fontes importantes para o estudo da língua portuguesa da época e das suas formas dialectais.

Membro fundador da Academia Real da História Portuguesa, escreveu diversas obras sobre gramática latina e portuguesa e sobre história de Portugal, destacando-se a sua publicação Memórias Históricas do Arcebispado de Braga, divida em quatro volumes e dedicada ao rei D. João V de Portugal, e a obra Regras da lingua portugueza, espelho da lingua latina.

Entre outros aspectos igualmente importantes, esta não é somente a primeira gramática da língua portuguesa publicada no século XVIII, mas é a primeira gramática portuguesa a ter mais do que uma edição única em vida do autor.
No que respeita ao conteúdo, um dos aspectos mais relevantes é o facto de a obra de Argote ser a primeira gramática da língua portuguesa a incluir noções dos gramáticos de Port Royal. Argote é o primeiro gramático português que, não só inclui a ortografia, mas também apresenta uma sistematização do sistema variacional do português.

Entre os estudiosos da historiografia linguística portuguesa que se dedicaram às gramáticas portuguesas do século XVIII não parece haver dúvida de que a gramática da língua portuguesa intitulada Regras da lingua portugueza, espelho da lingua latina ou disposiçam para facilitar o ensino da lingua latina pelas regras da portugueza, publicada pelos tipógrafos lisboetas Matias Pereira da Silva e João Antunes Pedroso em 1721, é de atribuir ao clérigo teatino D. Jerónimo Contador de Argote  e não à personagem supostamente fictícia ‘Padre Caetano Maldonado da Gama’, a quem o rosto da primeira edição atribui a autoria.

A ligação entre as duas edições que devem ser atribuídas a Argote foi, com efeito, estabelecida pelo 4.º Conde da Ericeira, D. Francisco Xavier de Menezes  fundador, com Argote da Academia Real da Historia Portugueza  que, na sua qualidade de censor régio, apresentou as seguintes declarações sobre a autoria da gramática no seu parecer de 12 de Setembro de 1724:
[…] he a segunda declarar o seu Nome o Padre D. Jeronymo Contador de Argote, Clerigo Regular, e da Academia Real, que na primeyra impressaõ se encobrio, e eu quasi reconheci pela erudiçaõ, e acerto, com que escreve […] (Ericeira em Argote 1725).

É clara a sua ligação a Colares. Reza o assento de baptismo de D. Jerónimo Contador de Argote de 23 de Julho de 1676: Aos uinte e tres de julho de seis sentos e setenta e seis, eu o Cura siluestre Nunes franco, pus o santos ollios, nesta freguesia de nossa senhora d’asumpsaõ da uilla de collares, a Heronimo filho do doutor Luis Contador d’aragote e de sua molher Dona Maria Loba moradores nesta uilla foi baptisado em Casa por sua auo Dona francisca por uir a criansa fraca asistio aos exorsismos o Padre Manoel Curado morador nesta uilla e por uerdade fis e assinei O Cura Syluestre Nunes franco (1676, julho 23).

Um dos primeiros aspectos que se nota neste assento é que não se encontra qualquer referência à data de nascimento do gramático, sendo apenas referida a essência dos nomes dos pais e as circunstâncias do baptismo. Segundo as normas eclesiásticas, o recém-nascido deveria ter sido baptizado na igreja dentro de oito dias a seguir ao nascimento.No entanto, consta do assento paroquial que o jovem D. Jerónimo foi baptizado em primeiro lugar no âmbito de um ‘baptismo de emergência’ na residência da família pela sua avó paterna D. Francisca de Robles.

O funcionamento deste ‘baptismo de emergência’, que no presente caso adquire o seu carácter excepcional por o baptista ter sido a avó e não um religioso ou qualquer outro elemento masculino da família, é esclarecido no “ Do sacramento do Baptismo da Constituiçam. iiij. Em que modo & dond e se ha de ministrar o baptismo“:  E outro si defendemos que nenhum sacerdote baptize a creatura em casa de algũa pessoa, se nam na pia baptismal da igreja parrochial donde ho pay ou may forem fregueses, & fazendo ho contrairo poemos em sua pessoa sentença de excomunham, & seja presso, & jaça no aljube hum mes, & nam seja solto até pagar primeyro dous mil reaes, a metade pera o meirinho, & a outra metade pera a fabrica dessa igreja, saluo estando a criatura em tal necessidade, que sem manifesto perigo de sua vida, nam possa ser leuada á igreja, porque entam qualquer pessoa, posto que seja ho pay ou may, hereje, pagam ou excomungado, poderam baptizar há creatura onde quer que estiuer, com tanto que se hi na casa ouuer clerigo, nam ha baptize leigo, & se ouuer homem, ha nam baptize molher, & se nam ouuer senam o pay ou may, em tal necessidade ha pode baptizar sem impedimento de compadradego, & auendo fiel, a nam baptize infiel. E cessando o dito perigo da hi atè oito dias será a dita creatura leuada aa dita igreja parochial honde se o sacerdote enformara do medo que se teue no dito baptismo. E se achar que tudo se fez d iuinamente, lhe poera ho oleo, & a crisma, & fara os exorcismos acostumados.

Para que D. Jerónimo Contador de Argote fosse baptizado em conformidade com as normas eclesiásticas vigentes na época, era, portanto, suficiente que a avó fosse baptizada para que ela pudesse ministrar o baptismo, uma vez que a preferência de homens em vez das mulheres não parece constituir nenhuma regra impeditiva. Ainda em conformidade com o direito eclesiástico, o baptismo foi repetido, presumivelmente alguns dias depois, no âmbito de um baptismo dentro da igreja paroquial, com todos os cerimoniais requeridos para o efeito.

O testemunho do biógrafo teatino, D. Tomás Caetano de Bem fornece mais alguns detalhes não referidos pelo registo paroquial:
Nasceo no anno de 1676. a 8. de Julho na Villa de Collares. Foi filho de Luiz Contador de Argote, Desembargador da Casa da Supplicação, e de sua mulher D. Maria Josefa Lobo da Gama Maldonado; ambos descendentes de familias muito nobres, e qualificadas. Logo que nasceo foi baptizado por sua avó paterna D. Francisca de Robles. Quando lhe forão impostos os Santos Oleos, foi seu padrinho D. Alonso de Alcala Herrera, irmão da dita sua avo paterna; em cuja casa, e companhia se creou o Padre D. Jeronymo Contador até a idade de sete na nos, na mesma Villa de Collares, juntamente com huma sua irmã, quasi da mesma idade.

Baseado obviamente em fontes diferentes, o biógrafo constata que Argote terá nascido em 8 de Julho de 1676, sendo esta a data que entrou na tradição biográfica. Quanto aos pais, fornece informações algo mais completas. Assim, consta que o pai terá sido o jurista e Desembargador da Casa da Suplicação D. Luís Contador de Argote, sendo a mãe identificada como D. Maria Josefa Lobo da Gama Maldonado.

Conforme reza a respectiva entrada no livro de óbitos de Colares, a mãe do gramático (identificada somente como D. Maria Josefa Loba faleceu quando este tinha pouco mais de dois anos de idade: “Aos desanoue de Nouembro de seis sentos e setenta e oito ueio a enterrar a esta jgreja da nossa senhora d’asumpsaõ de collares, a sepultura de dona maria hereira e Robles Dona maria Josepha Loba, molher do Corregedor do siuel da Cidade de Lisboa o Doutor Luis contador de aragote administrador da capella da dita sua tia Dona maria hereira e por uerdade fis e asinei & O Cura Syluestre Nunes franco (1678, novembro 19)”.

D. Maria Josefa Lobo da Gama Maldonado foi sepultada na capela da tia do marido, D. Maria Herreira e Robles (ou seja, D. María Herrera y Robles) que na altura da sua morte era administrada pelo seu próprio marido.

A investigação genealógica leva à constatação de que tanto do lado masculino como do lado feminino, a família de D. Jerónimo Contador de Argote provém da nobreza espanhola, tendo a árvore genealógica sido enriquecida por vários elementos de famílias nobres portuguesas. Assim, antes de vir para Portugal, o bisavô D. Luís Contador foi um dos fidalgos espanhóis ao serviço do mais tarde imperador alemão Maximiliano II (1527-1576, regeu desde 1564) quando este desempenhou o papel de governador de Espanha em representação do tio Carlos V no período entre 1548 e 1551.

Contador de Argote  faleceu em Lisboa, no Convento dos Caetanos, em 1749.

Fernando Morais Gomes

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