Depoimento sobre Maria Gabriela Llansol

Maria Gabriela Llansol (1931-2008) nasceu em Lisboa, formou-se em Direito, mas nunca exerceu. Começa a publicar em 1962, com o livro de contos Os Pregos na Erva, e é autora de 26 livros de grande singularidade, unanimemente reconhecidos pela crítica como únicos na literatura contemporânea, o que levou Eduardo Lourenço a vaticinar recentemente que Llansol será o próximo grande mito literário português depois de Fernando Pessoa.

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Colares, 1990
«_____ eu nasci em 1931, no decurso da leitura silenciosa de um poema» – lemos num dos seus livros, Onde Vais, Drama-poesia? (2000). Estamos em Lisboa, Campo de Ourique, em 24 de Novembro. A herança paterna, presente «na verticalidade e na maneira frontal de olhar», e o legado catalão que lhe vem dos bisavós maternos, darão corpo de escrita ao nome Llansol. Entre a infância e a adolescência, entre Lisboa e Alpedrinha, vê crescer a consciência de que «Na casa, não se administrava bem a justiça da língua», o que fará surgir, mais tarde, a figura de Témia, a rapariga que temia a impostura da língua. E esta casa é tanto a casa onde vivia como o país que a albergava.
Escreveu sempre, como dizia, «nas margens da língua» portuguesa (que levou consigo para um exílio de vinte anos na Bélgica, entre 1965 e 1984) e fora da «literatura», isto é, das luzes cegantes do mundo mediático, integrando no seu próprio texto o universo de um grande número de figuras da cultura europeia, matéria que foi objecto de uma grande exposição organizada pelo Espaço Llansol no Centro Cultural de Belém em 2011 («Sobreimpressões. Maria Gabriela Llansol: Uma visão da Europa»).

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Herbais, anos 80
Nos últimos livros preocupa-se sobretudo com um «projecto do humano» onde cabem, sem hierarquias, todos os seres, com implicações de ordem ética, ambiental e afectiva, o que leva Augusto Joaquim, seu companheiro de sempre, a escrever que «o mundo a que esta autora se refere é o nosso mundo e, no nosso mundo, aos problemas de fundo que o fazem tal como ele é: lugar por onde passamos à procura de amor e de sentido.»
A ida para a Bélgica traça um percurso de escrita que, apenas esboçado em Portugal com Os Pregos na Erva, encetaria, a partir de então, um caminho singular na escrita portuguesa. Llansol parte em 1965 e só em 1985 regressa a Portugal. Dirá da sua ida para a Bélgica: «Não tinha mais do que trinta anos; acabara de me casar e vinha, sozinha, ter com o Augusto [Joaquim] que, umas semanas antes, se recusara a participar na guerra colonial, e tinha desertado; deixava um livro publicado e outro, embora já concluído, ainda inédito. (…) Vim com muito temor e, também, com uma enorme sede de liberdade, de novo, de atingir o âmago do ser. Ninguém conseguirá ter uma pálida imagem da densidade do ar que, lá em baixo, se respirava, no exíguo cubículo fechado das nossas vidas. Eu procurava evadir-me a escrever.» Os anos da Bélgica têm nome de lugares – Lovaina (1965-75), Jodoigne (1975-80) e Herbais (1980-85). Longe da sua língua, é nela que evolui, desconhecendo (como diz nos anos de Lovaina) «o texto surpreendente que me espera».
Depois do regresso da Bélgica, em 1985, Llansol viveu sempre no concelho de Sintra, primeiro em Colares (1985-1994) e depois na antiga Estalagem da Raposa, em Sintra (1994-2008), hoje sede do Espaço Llansol. Foi agraciada com a Medalha Municipal em ouro, a título póstumo, e a Câmara de Sintra colocou em 2009, por sugestão da Presidente da Associação de Defesa do Património de Sintra, Adriana Jones, uma placa evocativa junto de uma das grandes árvores da Volta do Duche que assume um significado especial num dos livros da Autora, onde tem o nome de «Grande Maior».

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Lisboa, 1994
Maria Gabriela Llansol recebeu vários prémios literários portugueses, entre eles, e por duas vezes, o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio da Crítica, o Prémio D. Dinis e o Prémio Inasset. Está traduzida em francês, castelhano, alemão, italiano e brevemente também em inglês. Deixou um imenso espólio manuscrito de onde começaram já a nascer novos livros (a série de diários inéditos intitulada Livros de Horas, de que este ano sairá o quinto volume), em edição da Assírio & Alvim, e da responsabilidade do Espaço Llansol-Associação de Estudos Llansolianos.
O Espaço Llansol, associação cultural fundada em Outubro de 2006, ainda com M. G. Llansol, tem procurado manter viva a memória desta autora singular, através do tratamento, digitalização e publicação do seu espólio literário (cerca de 34.000 páginas) e de sessões públicas regulares no espaço que designamos de «Letra E», que mantemos desde Janeiro de 2012 e onde damos a conhecer sempre novas facetas desta Obra infinita.
João Barrento e Maria Etelvina Santos

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João Barrento licenciou-se em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa(1958-64), tendo elaborado uma dissertação sobre a obra de Harold Pinter (Entre a Palavra e o Gesto. Interpretação do Teatro de Harold Pinter. Lisboa, 1964).

De 1965 a 1968, foi leitor de Português na Universidade de Hamburgo e, mais tarde, leitor de Alemão na Faculdade de Letras de Lisboa. Tornou-se tradutor literário de língua alemã. De 1986 até aposentar-se, foi professor de Literatura Alemã e Comparada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Ensaios, crónicas e teoria: Realismo-Materialismo-Utopia: Uma Polémica (Lukács, Bloch, Brecht, Eisler), 1977; História Literária: Problemas e Perspectivas, 1983; Fausto na Literatura Europeia, 1984; O Espinho de Sócrates: Modernismo e Expressionismo, 1987; A Poesia do Expressionismo Alemão, 1989; Literatura Alemã: Textos e Contextos (1700-1900), 1989; Goethe: Vida, Obra, Época/ Goethe em Portugal, 1991; A Palavra Transversal. Literatura e Ideias no Século XX, 1996; A Literatura Portuguesa depois da Revolução, 1998; Uma Seta no Coração do Dia, 1998; António Aleixo : «a dor também faz cantar…», 2003; Origem do drama trágico Alemão, 2004; O Arco da Palavra. Ensaios. S. Paulo: Escrituras, 2006; A escala do meu mundo (crónica), 2006; Na Dobra do Mundo. Escritos llansolianos. Lisboa: Mariposa Azual, 2008; O género intranquilo : anatomia do ensaio e do fragmento. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010; O mundo está cheio de deuses. Crise e crítica do contemporâneo. Lisboa: Assírio & Alvim, 2011; Geografia Imaterial. Dois ensaios sobre a poesia (com fotografias de Vina Santos). Lisboa: Mariposa Azul (no prelo); Limiares. Sobre W. Benjamin. Florianópolis, Ed. UFSC. Com CD-ROM Diário para W. B., manuscrito, com colagens (no prelo)

Prémio Calouste Gulbenkian da Academia das Ciências de Lisboa para a Tradução de Poesia (1979

Grande Prémio de Tradução do PEN Clube Português /Associação Portuguesa de Tradutores (em 1993, pela obra de Goethe, e em 1999, pela tradução integral do Fausto); Prémio de Ensaio “Jacinto do Prado Coelho”, da Associação Internacional de Críticos Literários – Secção Portuguesa (1996); Grande Prémio de Ensaio Literário da Associação Portuguesa de Escritores [APE] (1996); Prémio de Ensaio do PEN Clube (2001);Prémio de Tradução Científica e Técnica da União Latina (2005, pelo 1º volume da edição de Walter Benjamin); Grande Prémio de Crónica da APE (2006); Prémio de Tradução do Ministério da Cultura da Áustria (2010, pela tradução de O Homem sem Qualidades, de Musil); Prémio D. Dinis, da Fundação da Casa de Mateus (2010, pelo livro O Género Intranquilo. Anatomia do ensaio e do fragmento)

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