Um artigo de Ricardo Duarte
Agora que o Museu do Brinquedo abandonou o prédio que o acolheu nos últimos 14 anos, é de maior importância questionar sobre que destino dar àquele edifício. Desde a sua construção, já foi Tribunal, Casa da Vereação camarária (ainda lá está na fachada um brasão de armas do Concelho), Quartel de Bombeiros e também já esteve em ruína.
Por ser património da Câmara Municipal afiguram-se de imediato dois destinos possíveis: a cedência de exploração para qualquer actividade comercial, por meio de protocolos ou arrendamento directo; a continuação na esfera da actividade camarária, albergando serviços ou como parte integrante das políticas, da acção, consequente da gestão do Executivo.
A primeira opção será certamente a mais fácil de implementar para quem está incumbido de gerir a coisa pública. Contudo, a menos desejável. Sabemos o quão é apetecível, a nível comercial, qualquer espaço que surja vago na Vila Velha. No entanto, raramente algum projecto que abra portas se traduz em concreta mais-valia, exceptuando para quem o explora. Comunidade e conjunto patrimonial observado de forma integrada ficam no lado oposto de uma relação que deveria de ser equilibrada, devido a questões que não importa agora aflorar.
A segunda hipótese é sem dúvida a mais adequada, devendo ser mantido o âmbito que até aqui lhe estava adstrito, a vertente Cultural. Ocorre-me que neste sentido, o mais indicado seria ali instalar o projecto MU.SA que funciona no Casino, no bairro da Estefânea. Ali, o projecto não terá capacidade de evolução, primeiro porque foi pensado “à pressa” e porque não cumpre a dimensão externa que a um Museu deve estar ligada, isto é, a relação com o meio exterior. Montar um museu não é somente tirar peças de caixotes e pendurá-las em paredes. Como também não é apenas abrir-se às 10h00 e fechar-se às 18h00, esperando que visitantes entrem. Com excepção dos grandes centros urbanos, onde por si só o Museu pode viver independente, nos restantes locais a ele tem que estar relacionada uma Vida própria, interna e externa ao mesmo.[1] Ao Casino ficaria então entregue programação cultural dinâmica, pois foi para tal que foi construído e chegou até a ser sede da Casa de Teatro de Sintra.
Ora, vislumbrando como impossível esta ideia de gestão dos dois espaços, basta inverter as opções. O MU.SA fica onde está, esperando que com o tempo as necessárias soluções surjam e ao edifício do Museu do Brinquedo é destinada Produção Cultural. A Câmara Municipal é soberana proprietária do espaço e sabemos como, nos dias que correm, os factores financeiros e de realização de capital se sobrepõem a todos os outros. No entanto, até por aqui, pode o Executivo obter consideráveis receitas.
O eixo condutor da gestão do espaço passaria por estabelecer acordos com diversos agentes culturais sedeados em Sintra, os quais, através de protocolos, seriam arrendatários de pequenas parcelas em um ou dois dos três pisos do edifíco, convertidas em escritórios, salas de ensaio, gabinetes de projectos, ateliers artísticos, entre outros. O piso térreo seria assim destinado a apresentações performativas diversas, exposições, colóquios, etc, produzidos pelos agentes residentes, partilhando receitas, ou por instituições externas, convidadas ou enquadradas em ocasionais temáticas.
Por outro lado, a Câmara Municipal teria oportunidade para, através dessas parcerias, ver dinamizado o espaço público da Vila Velha, habitualmente deserto no final de cada dia, após a debandada das massas turísticas. Parque da Liberdade, Volta do Duche, Terreiro do Palácio e Praça da República seriam palcos naturais da programação artística dos tais parceiros que, de forma regulada, fariam da Rua a extensão óbvia do espaço físico que os acolhe.
Espaços e projectos deste género existem um pouco por todas as grandes urbes. Desde a Fábrica de Braço de Prata em Lisboa, até ao espaço 59, RIVOLI em Paris, passando pelas radicais Tacheles em Berlim, são exemplos do encontro de soluções de potencialização de espaços em diversas vertentes. E em Sintra, aquele edifício enquadra-se perfeitamente num projecto de características semelhantes. Fica a ideia para quem a quiser aproveitar.
[1] Escusando-me a entrar em longas explanações na temática da Museologia, pode-se, por analogia, confrontar o papel do Museu com o texto “A Biblioteca” de Umberto Eco e de forma fácil e eficaz discorrer sobre comuns conceitos.