Tiago Patrício é um dos escritores mais talentosos da actual geração.Em 2000 começou a trabalhar em teatro,tendo sido um dos fundadores do Grupo Com-Siso. Também escreveu peças para as companhias teatromosca, de Sintra, Estaca Zero e Ponto Teatro, do Porto.
Os seus primeiros poemas e contos foram publicados entre 2007 e 2010, nas colectâneas Jovens Escritores do Clube Português de Artes e Ideias.
Venceu os prémios Daniel Faria e Natércia Freire de poesia. A sua peça Checoslováquia recebeu menção honrosa no prémio António José da Silva. O seu primeiro romance, Trás-os-Montes, que começou a escrever aos 19 anos, ganhou o Prémio Agustina Bessa Luís em 2011.
Fez residências literárias na Tunísia, República Checa, Turquia, Lituânia, Letónia, Espanha e Estados Unidos da América.
Alguns dos seus textos estão publicados em França, Egipto, Eslovénia e República Checa. Depois de O Livro das Aves (poesia,2009) Cartas de Praga (poesia, 2010) Checoslováquia (teatro, 2011) Trás-os-Montes (romance, 2011) A Memória das Aves (poesia, 2012) e O Estado de Nova Iorque (viagens, 2013), publicou em 2014 o romance Mil Novencentos e Setenta e Cinco.
Quando é que o Tiago Patrício começou a escrever e o que o motivou para tal?
No meu caso, posso dizer que comecei a escrever por interesse. Desconfiava que não seria um grande desportista e que as raparigas não se sentiriam muito atraídas pelas minhas notas nem pelo meu entusiasmo pela Matemática ou pela Química, por isso, e como escrever era a segunda coisa que sabia fazer melhor, decidir tentar. Demorei mais de dez anos até publicar o primeiro livro, mas apenas alguns meses até começar a publicar textos no jornal da escola, depois em revistas e no DN Jovem. No entanto, três anos depois de ter deixado de ser farmacêutico, começo a achar que as notas, a Matemática e a Química poderiam ser mais lucrativas, mas agora é tarde.
Quer falar-nos um pouco das suas obras publicadas até ao momento?
Por um lado preciso de fazer um exercício de esquecimento para continuar a escrever coisas novas. A fase final de produção de um livro é muito cansativa, mas assim que o livro sai da gráfica tento esquecê-lo o mais depressa possível. Só olho para as capas e para a mancha gráfica do miolo. Raramente volto a ler um livro que escrevi, a não ser para fazer uma segunda edição ou preparar leituras, entrevistas, apresentações e essas coisas aflitivas que me dão vontade de dizer que os meus livros estão cheios de problemas.
Mas acho que há uma continuidade entre quase todos os textos que escrevo, mesmo em poesia ou teatro. Há personagens que aparecem no primeiro romance e que transitam para o terceiro, que dialogam com alguns poemas ou discutem sobre um problema levantado numa peça de teatro. Mas posso dizer que comecei por escrever peças e poemas sobre Praga e depois romances sobre Trás-os-Montes. Neste momento estou a trabalhar em novos romances e peças de teatro sobre a perda de soberania portuguesa no século XVI, com uma residência para breve num castelo Escocês.
Qual é a sua relação com Sintra? Há um sentido trágico em Sintra ou tudo não passam de exacerbações românticas derivadas dos mitos que a ela se associam, hoje em retorno acentuado?
Apesar de ter nascido na Madeira e de ter vivido em Trás-os-Montes até ao final da adolescência, as minhas férias de Verão, de Páscoa e até do Natal eram passadas em Sintra. O meu pai trabalhou no negócio da construção civil durante os anos 90 e viveu em Fontanelas, São João das Lampas, Terrugem, Pêro Pinheiro. No fundo era como se a minha infância tivesse sido repartida entre Sintra e Trás-os-Montes, mas os amigos de Sintra não eram os da escola, eram os amigos com quem ia a pé ou de autocarro até à Praia de S. Julião, do Magoito ou da Aguda.
Há um capítulo do romance Trás-os-Montes baseado numa conversa entre amigos durante umas férias de Verão a caminho de uma das praias de Sintra (é a primeira vez que conto esta história e obviamente que a negarei se me pedirem confirmação).
A partir de 2009 voltei a Sintra como membro da companhia teatromosca, com sede em Mira-Sintra e tenho trabalhado com o Pedro Alves e com o CECD de Rio de Mouro, temos adaptado muitos textos e apresentado vários espectáculos.
Para responder à sua pergunta, acho que exacerbação é muito importante em várias fases da escrita, mas depois é preciso saber lidar com ela. Não se pode exacerbar por Sintra a toda as horas, sob o risco de apanharmos um resfriado ou de sermos atropelados por um comboio
Quais são os seus autores de referência?
De cada vez que revelo as minhas fontes ou perco leitores ou ganho inimigos, por isso prefiro mencionar músicos e realizadores de cinema, bem como alguns familiares que me contavam histórias sobre a imigração portuguesa nas noites de Inverno à lareira ou noutros lugares igualmente rústicos e bucólicos.
O que é ser intelectual hoje? Se o intelectual nasceu com a Cidade, hoje, com a globalização terá virado funcionário? O intelectual é um “escriba obscuro” como escreveu Foucault?
Talvez seja um blogger, não faço ideia. Nem sequer sei se um escritor é um intelectual diferente de um spin doctor ou de um analista de mercados. Mas a dependência do conceito de Cidade é um ponto fundamental e neste momento, as nossas cidades perderam os locais de encontro e de discussão, uma vez que se transformaram em lugares frios e de circulação fechada. No entanto, os antigos fóruns deslocaram-se para o espaço virtual, o que veio criar milhões de ligações entre pessoas que há 30 anos dificilmente poderiam comunicar ou discutir ideias em tempo real. Por isso nem tudo está perdido.
A sua escrita é classificável, ou classificar é limitar? Qual a sua obra mais conseguida? Já se zangou por ter escrito alguma delas, ou ter desejado alterar-lhes o rumo?
Nunca me zango, mas por vezes fico demasiado deslumbrado, o que normalmente é mau sinal e quando volto a reler encontro uma série de erros. Quanto aos conseguimentos ainda estou à procura do livro que me há-de possibilitar uma reforma antecipada.
Pode dizer-se que o escritor escreve sempre o mesmo livro e toda a obra é autobiográfica, como sugerem alguns autores?
Pode dizer-se isso, até porque há escritores que só mudam os nomes das personagens, os lugares, os assuntos e as preocupações. É claro que depois destas alterações os livros parecem todos diferentes, mas a voz é muito semelhante. O problema é que um tom adequado é difícil de encontrar e quando se encontra não se larga assim de um livro para outro.
O que anda a fazer e que projectos tem para o futuro imediato?
Para além de alguns romances e peças de teatro que queria concluir nos próximos anos, há uma ideia que ando a tentar desenvolver: a publicação de livros de poesia com tiragens muito baixas, no máximo de três exemplares, de modo a poder entrar no circuito dos coleccionadores e poder leiloá-los por valores exorbitantes.
Acha que o livro tem futuro, nesta época do on-line?
O livro terá sempre futuro. As pessoas continuam a gostar de objectos.
Acha que há em Sintra um panorama cultural relevante ou apenas epifenómenos de franja?
Sintra é óptimo, adoro. Praia, campo, serra, cidade, fauna, flora, hospitais, prisões, palácios e castelos. Não há nada que falte a uma região como esta.
O que acha que busca hoje o leitor num livro que ainda não tenha sido escrito?
Ler-se a si próprio, cada vez mais. Uma espécie de Selfbook.