Evocar M.S.Lourenço

Dia 5 de Julho de 2011 foi inaugurada uma placa comemorativa na fachada da  casa onde  viveu M.S.Lourenço, na Vila Velha, em Sintra (a poucos metros da  Sociedade União Sintrense). A Câmara  e o Centro Nacional de Cultura  associaram-se, e a Alagamares, representada pelo seu presidente, já  em  reunião em Junho de 2010 com o presidente do CNC sugeriu o  descerramento de tal peça evocativa, tendo este então  diligenciado a  sua concretização junto da CMS, o que então ocorreu.
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Integrado  na programação dos  habituais Passeios de Domingo, o Centro Nacional de  Cultura, com a  participação da Alagamares,efectuou dia 30 de Maio de 2010  um  passeio/homenagem ao escritor sintrense M.S.Lourenço,  falecido em 2009, em Sintra.
 
Esta  homenagem ,que teve a  a  participação de família e amigos do autor,foi  conduzida pela escritora  Helena Langrouva e pelo Prof. Guilherme  d’Oliveira Martins, Presidente  do CNC, e percorreu alguns dos lugares  emblemáticos da sua vida e seus  preferidos na vila de Sintra.”Um  aristocrata do espírito”, como lhe  chamou Guilherme d’Oliveira  Martins,um efabulador de realidades  heterodoxa,ou o poeta que é, no  dizer de Liberto Cruz.
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                               Helena Langrouva e Oliveira Martins falam de M.S.Lourenço
 
 
Sobre ele, escreveu para o nosso sítio a escritora Helena Langrouva o seguinte texto, por ocasião da sua morte:
“Manuel  António dos Santos Lourenço, que assinava com o nome literário  M.S.Lourenço, nasceu em 13 de Maio  de 1936, na Vila Velha de Sintra,  onde viveu toda a vida, excepto  quando teve missões a cumprir no  estrangeiro, até à sua morte, em 1 de  Agosto de 2009.
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                 Casa em Sintra, junto à Igreja de S.Martinho, onde nasceu em 1936
Era  filho de Manuel António Lourenço e de Maria Alice dos Santos Lourenço.  Foi encarregado da Biblioteca  Municipal de Sintra (nas instalações do  antigo Casino), nos anos  cinquenta. Desde muito jovem, era apaixonado  por Filosofia, Literatura, Ciência, Artes, em especial a Música.  Licenciado em Filosofia pela  Universidade de Lisboa (1965), foi  professor do ensino secundário  privado (Colégio da Cidadela, Cascais),  bolseiro da Fundação Calouste  Gulbenkian em Oxford (1965-68), Leitor de  Português (1968-1971) nas  Universidades de Oxford e de Santa Barbara  (Califórnia, E.U.A.), tendo  ainda ensinado nas Universidades de  Bloomington (Indiana, E.U.A.), e de Innsbruck (Aústria). Era  pós-graduado (M.A. – Oxford) e Doutorado  (Lisboa) em Filosofia  Analítica, tendo-se fixado como professor de  Lógica e Filosofia da  Matemática, no Departamento de Filosofia da  Faculdade de Letras de  Lisboa. Dedicou a sua vida à Poesia, à Tradução, ao Ensaio, à Filosofia e  ao Ensino. Foi sempre apaixonado por Sintra  onde vivia, passeava  discretamente, escrevia e meditava a sua obra.
Como  filósofo, além de professor de Filosofia, M.S. Lourenço foi Presidente  da Sociedade Portuguesa de Filosofia (1999-2004) e director da revista  de filosofia Disputatio. Publicou, em livro: A Espontaneidade da Razão; A analítica conceptual da refutação do empirismo na Filosofia de Wittgenstein (Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1986, a partir da tese de doutoramento ); Teoria Clássica da Dedução (Assírio e Alvim, 1991). O livro A Cultura da Subtileza; Aspectos da Filosofia Analítica  (Gradiva, 1995, editado por Desidério Murcho), resultou de diálogos,  no  programa Rádio Cultura, da RDP2, com filósofos, homens da cultura e  críticos de arte portugueses (entre os quais, João Bénard da Costa,   Sidónio Freitas Branco Paes e João Paes ), sobre Diálogo, Lógica e   Metafísica, Estética e Filosofia da Arte. De 2003 a 2008 publicou, com a  colaboração de alunos, na Faculdade de Letras da Universidade de  Lisboa  – Departamento de Filosofia e Centro de Filosofia – as aulas de  Mestrado em Filosofia Analítica, com os títulos Estruturas Lógicas de Primeira Ordem (2003); Os elementos do programa de Hilbert (2004);Acordar para a Lógica Matemática (2006 – tendo continuado, online, até 2009). Mais recentemente ,publicou, sob o pseudónimo Gribskoff, Fundamentos da Matemática – treze artigos escritos em inglês -, na enciclopédia online de matemática PlaneMath (2008-2009).
Como  tradutor de filósofos, escolheu autores de obras marcantes para o  estudo da Lógica e da Filosofia  Analítica, além da sua tradução do  teólogo e filósofo Romano Guardini, O Fim dos tempos modernos ( Moraes, 1964). Traduziu William Kneale e Martha Kneale, O Desenvolvimento da Lógica (Fundação Calouste Gulbenkian, 1972, 3ª edição, 1991, 773 pp. Esgotado), Kurt Gödel, O Teorema de Gödel e a hipótese do contínuo (Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, 2ª edição 2009, 943 pp.) e Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico* Investigações Filosóficas(Fundação Calouste Gulbenkian, 1987, 4ª edição 2008, 611pp.)
Pertenceu  à chamada geração de O  Tempo e o Modo, com António Alçada Baptista,  João Bénard da Costa – que também viveu discretamente em Sintra durante  mais de cinquenta anos,  Alberto Vaz da Silva, Pedro Tamen, Nuno  Bragança, entre os principais.  Esteve próximo de todos até ao fim, em  especial de João Bénard da Costa (falecido em 21 de Maio de 2009). Em O  Tempo e o Modo, revista de  pensamento e acção, publicou poemas, ensaios,  a tradução de uma parte  de Finnegans Wake de James Joyce, I, 3  (nº 57/58, pp.  243-24,Lisboa, 1968). O então jovem escritor Almeida  Faria publicou, a  este propósito, um artigo sobre a tradução de Finnegans Wake  em  português (revista Colóquio-Letras, nº 23, Janeiro de 1975, pp.   27-31).Ainda em O Tempo e o Modo publicou a tradução de três breves   contos de Samuel Beckett, Imaginação morta imaginando (nºs 71/72, Maio-Junho de 1969), recentemente editados pela revista Ficções (nº 15, Maio, 2006).
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                                                Casa a caminho de S.Pedro onde viveu 
Como  poeta, publicou em livro, antes de partir para a guerra colonial  (1961), na editora Moraes, fundada  por António Alçada Baptista, O Desequilibrista (1960), obra de estreia, Fora de Colecção. Seguiram-se, na mesma editora, as duas pequenas colectâneas de histórias – O Doge  (1963, assinado sob o pseudónimo Arquiduque Alexis-Christian von   Rätselhaft und Gribskov – Tradução de M.S. Lourenço -, reeditado, sob o  pseudónimo Alexis Von Gribskoff, Fenda, Lisboa, 1998), Ode a Upsala ou Ária detta la Frescobalda (1964), Depois de ter vivido em Oxford, criou uma nova orientação estética e técnica da escrita poética em Arte Combinatória (1971) e Wytham Abbey  (1974). Defendeu o labor e o aperfeiçoamento da musicalidade do verso,  da arquitectura musical do poema, a procura da capacidade visionária,  através da expressão poética, em particular no livro Wytham Abbey.
A  obra poético-literária de M.S.  Lourenço demarca um lugar difícil de se  definir na literatura  portuguesa, pela surpreendente aglutinação e  desequilíbrio do real, do  quotidiano e do surreal, o nonsense, o  humor, o permanente  filtro da angústia, a crítica, a encenação e a  máscara da própria obra, a irreverência, a liberdade, a interrogação, o  enigma, os mitos, o  mistério, a procura para-mística ou mística, a  certeza da morte, a  reflexão filosófica, teológica, metafísica,  escatológica, a fantasia, o sonho, a constante criação, recriação e  aperfeiçoamento de linguagens, inúmeras alusões culturais, palavras em  várias línguas, convergindo na meditação da própria língua portuguesa.
Em Pássaro Paradípsico (Perspectivas  e Realidades, Lisboa, 1979) – com ilustrações de Mário Cesariny – cada  verso é uma palavra e cada poema construído à maneira de uma  composição  musical. Em Nada Brahma (Assírio e Alvim, 1991), obra escrita em verso e integrando um texto dramático – retomando o caminho traçado por O Desequilibrista   -, procura realizar o ideal da poesia como arte musical, decantando ao  extremo a procura do essencial dos seus universos, na poesia que é, na  poesia que a si própria se pensa, lembrando o princípio aristotélico  do  “pensamento que a si próprio se pensa”. A poesia ainda expressão e  voz  do silêncio, a poesia como som – Nada, em sânscrito – do Todo, Deus  –  Brahma, em sânscrito, deixando perpassar, em particular neste livro, e  dispersamente noutros livros, a presença discreta de Sintra.
Apesar  de algumas afinidades com o  classicismo num sentido lato, o  surrealismo, o pós-simbolismo e o  neo-construtivismo, a poética de M.S.  Lourenço seguiu um caminho  individual, solitário, perseverando na  procura, a um tempo, de  liberdade, contenção e abertura no pensamento e  na palavra.
Os  ensaios que publicou na revista  Colóquio-Letras e as crónicas que  publicou no semanário O Independente  estão reunidos no livro Os Degraus do Parnaso (Assírio  e Alvim,  1991, 2ª edição integral, 2002) -, distinguido com o prémio  Dom Dinis,  da Fundação Casa de Mateus, em 1991. Nesta obra de referência  para o  ensaio, a cultura e a literatura portuguesa do século XX, pela   pertinência e variedade dos temas abordados, a meditação sobre a vida, a  filosofia e a arte, a literatura, as interrogações, a actualidade e a  crítica, vigora a procura de reformulação narrativa do mesmo ideal da   escrita como arte musical.
Pássaro Paradípsico, os livros de filosofia e as traduções de livros filosóficos estão assinados por Manuel Lourenço.
Manuel  António dos Santos Lourenço  foi galardoado com a Grã Cruz da Ordem de  Santiago de Espada,(foto) e a Cruz de Honra de I Classe da República da  Aústria.
Foi  homenageado, na sua presença, em 2006 e 2007. Em 2006 ,ano da jubilação  como professor catedrático na  Faculdade de Letras de Lisboa ,com Maria  de Lurdes Ferraz, no âmbito da cadeira de Teoria da Literatura, tendo,  na sessão de homenagem  argumentado sobre a necessidade de um curso de  Lógica para o estudo da  Teoria da Literatura. Em Maio de 2007, no  Palácio Valenças, em Sintra,  no III Encontro de História de Sintra, numa  conferência de Liberto  Cruz, poeta e crítico literário sintrense da  mesma geração (Sintra,  1935) – sobre a sua obra poética, intitulada “M.S. Lourenço, o Desequilibrista definitivo”, e numa exposição bibliográfica da sua obra poético-literária, conjunta com a de Liberto Cruz, por nós organizada .
Numa longa entrevista de Miguel Tamen, publicada em A.M. Feijó & Miguel Tamen (eds.) A Teoria do Programa. Uma homenagem a Maria de Lourdes Ferraz e M.S. Lourenço. Lisboa: Programa em Teoria da Literatura.  2007. Pp 313-364 – M. S. Lourenço esclarece aspectos cruciais do seu   itinerário intelectual, não omitindo a inexistência do seu gosto pela   discussão pública, o facto de a sua obra ser praticamente desconhecida   do público. A Autobiografia, ainda inédita, anunciada por Liberto Cruz,  na conferência acima referida – publicada online, http://www.alagamares.net/documentos permitirá novas achegas para a compreensão da sua vida e obra.
M.  S. Lourenço deixou no prelo a  Obra Completa poético-literária, que foi  lançada no dia 28 de Outubro,  de 2009 na Faculdade de Letras de Lisboa e  em cujo título – O Caminho dos Pisões, Assírio e Alvim, 2009,  687 páginas – faz convergir o caminho pessoal  como escritor – remetendo  para o título da Carta Aos Pisões ou Arte  Poética do poeta latino  Horácio – e a presença de Sintra – Caminho dos  Pisões é o nome antigo de  um caminho da Vila Velha de Sintra onde M. S. Lourenço passeava e  meditava, na sua juventude – entre a Vila Velha e a Regaleira. Esta  obra, como outras, é dedicada aos seus pais. Obra rara de um autor  sintrense e internacional, na complexidade e profundidade  dos seus  mundos, escrita com notável mestria da língua portuguesa, uma  presença  diferente, a investigar, no panorama da literatura, filosofia, ensino da  filosofia, da cultura em língua portuguesa.
Ouvimos  alguns dos seus textos  poético-literários de Manuel Lourenço que ele  nos ditava, para os  escrevermos à mão, na sala da casa de seus pais, na  Vila Velha (finais  dos anos 50 e início dos anos 60), ouvimos  comentários em que nos  tentava explicar poemas da sua própria obra  (finais dos anos 50, anos  60 e 70), até decidir remeter-se ao silêncio.  Continuámos a ler e a  meditar a obra, em silêncio. Esperamos que venha a  ser conhecida das  gerações actuais e vindouras.
Sempre  foi nosso intento fazer  homenagens em vida. Liberto Cruz, com a sua  comunicação e nós com a  exposição bibliográfica, em 2007, homenageámos  em vida o nosso  conterrâneo Manuel Lourenço, visivelmente satisfeito, no  Palácio  Valenças. Não sabíamos que era a última vez que o veríamos. Que  Sintra  saiba preservar a sua memória.”
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Neste  roteiro usaram ainda da  palavra para sentidas e coloridas intervenções a  sua amiga Ana Maria  Benard da Costa e sua filha Catarina Lourenço, que nos levou à casa onde viveu, tendo igualmente sido  recordado o momento em 2007, no III  Encontro de História de  Sintra,organizado pela Alagamares, em que  Liberto Cruz, outro escritor  sintrense insigne fez uma comunicação  sobre a sua obra, e a que o  próprio M.S.Lourenço, incógnito na  assistência, assistiu….A História  testemunha a Vida.Morto  o Artista, nasceu a Imortalidade.O seu espólio seguiu já para a   Biblioteca Nacional.Mas outros gestos significantes faltam levar a cabo  com algum significado:que podem começar pelo  gesto simples da Câmara  de  Sintra mandar colocar uma lápide no local onde viveu, nesse caminho  dos  Pisões onde as várias personalidades que vestiu deambularam numa   solidão organizada, dum desiquilibrista compulsivo.Entre outras coisas.

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