Faleceu aos 77 anos Eduarda Dionísio, escritora e artista e impulsionadora da Casa da Achada, criada em memória de seu pai, Mário Dionísio, associação de que a Alagamares é parceira desde 2009.
Durante estes anos algumas vezes tivemos a possibilidade de a ter entre nós, em Sintra e Galamares, onde sempre revelou memórias duma época passada em Galamares, da figura de seu pai, ou da obra por si registada “Um cesto de cerejas”, onde relatou as memórias do arquiteto Castro Rodrigues, também ele um apaixonado por Sintra.
A Alagamares curva-se perante a sua memória, enviando um abraço solidário à família e aos amigos da Casa da Achada.
Nascida em 1946, filha do escritor e pintor Mário Dionísio e da também professora Maria Letícia Silva, Eduarda Dionísio licenciou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa. Passou pelo teatro universitário, amador e profissional no Grupo de Teatro da Faculdade de Letras, Ateneu Cooperativo de Lisboa, Cornucópia, O Bando e fundou o grupo Contra-Regra. Participou como atriz, cenógrafa, dramaturgista, tradutora e autora de textos como “Antes que a Noite Venha”, que o teatro do Bairro Alto levou à cena com encenação de Adriano Luz. Traduziu Fosse e Prévert para os Artistas Unidos e na Cornucópia compôs Primavera Negra, uma colagem de textos de Raul Brandão, e, em parceria com Antonino Solmer, a peça Dou-Che-Lo Vivo, Dou-Che-Lo Morto.
Eduarda foi professora do ensino secundário em várias escolas de Lisboa e dirigente do SPGL, eleita por uma lista que defendia o sindicalismo de base. Com a sua mãe, foi autora de livros escolares para o ensino do Português. Participou no movimento estudantil contra a ditadura e fundou a revista Crítica em 1971, o início de uma colaboração em publicações como a Seara Nova ou o Diário de Lisboa. Participou no MES após a Revolução e em campanhas do PSR nas décadas de 1980 e 1990, enquanto candidata independente. Foi redatora do jornal Combate durante vários anos.
Publicou em 1972 o seu primeiro livro, “Comente o Seguinte Texto” e recebeu o Prémio Literário Pen Club com o livro “Histórias, Memórias, Imagens e Mitos duma Geração Curiosa” em 1981, ambos com o mesmo pano de fundo da sua experiência profissional. De “Retrato dum amigo enquanto falo” (1979), o segundo romance da escritora, Eduardo Lourenço disse que “poucos textos souberam apreender como este a atmosfera verbal, os signos sensíveis de um mundo que se desloca, o ritmo interior de uma démarche pessoal militante, paralela às oscilações e arrependimentos da Revolução”, ou ao desencanto com o pós-Revolução, que a acompanhou ao longo da sua obra e da intervenção política e social.
Em “Títulos, ações, obrigações: a cultura em Portugal, 1974-1994” (1993) faz o retrato da política cultural em democracia, então marcada por quase uma década de cavaquismo e pelo projeto da Lisboa, Capital da Cultura. É nesse ano, quando o 25 de Abril fazia 20 anos, que funda a Associação Abril em Maio, a quem “não interessa o cultural em que a cultura se transformou, mas a cultura enquanto conjunto de saberes, de saberes-fazer e de saberes-viver, fundado numa prática colectiva em que os indivíduos e os grupos são atores da sua própria existência”. Dela nasceram eventos e obras inspiradas na memória do movimento popular no tempo da Revolução, mas também a mais relevante crítica da Expo 98 nos meios intelectuais portugueses, que culminou na realização do Colóquio internacional “Em Tempo De Expo Há Outras Histórias Para Contar”.
O próximo grande projeto foi a fundação em 2008 da Associação Casa da Achada-Centro Mário Dionísio, onde reuniu o espólio literário e artístico e o arquivo pessoal do seu pai. Desde então, a Casa da Achada, localizada no bairro lisboeta da Mouraria, tornou-se um pólo cultural de referência na cidade, com uma programação de atividades que não se resumem à evocação do legado de Mário Dionísio, mas prosseguem os caminhos abertos pela Abril em Maio. No mês passado, a Casa da Achada lançou o quarto volume de “Passageiro Clandestino”, o diário de Mário Dionísio até agora inédito, acompanhado por dois livros de notas redigidas por Eduarda Dionísio para contextualizar o período que vai de 1974 a 1980.