Gérard de Visme ou Devisme, um dos proprietários da Quinta de Monserrate, foi um comerciante inglês que chegou a administrador das joias da Coroa portuguesa. Originário de uma família nobre e protestante, que por motivos religiosos teve de ir da Picardia para Inglaterra, depois da revogação do édito de Nantes, nasceu em 1726 e estudou na Westminster School, tal como o irmão, Louis, que foi um diplomata britânico eminente. Outro irmão, William, foi o autor dos actos da Igreja da Valónia, e outro irmão, Benjamim, distinguiu-se na Índia, onde chegou a coronel.
Quanto a Gerard, sabe-se que teve uma filha ilegítima, desconhece-se se teve esposa. Morreu em 1797, sem herdeiros legítimos, deixando os bens à filha, que casou com o conde e general Henry Murray.
Gerard fez os estudos em Westminster e dedicou-se posteriormente aos negócios, fundando um banco em Portugal, o Purry, Mellich e de Vismes. Chegou cá aos 20 anos e cá possivelmente nasceu a filha. Fazendo fortuna com o pau-brasil, adquiriu propriedades em Benfica (imagem abaixo) e a Quinta de Monserrate, sabendo-se ter sido amigo da princesa Carlota Joaquina.
Introduzido na corte, ocupou um posto na embaixada inglesa em Lisboa, onde aliás, um dos irmãos fora antes secretário. Por essa altura terá chegado a administrador das joias da Coroa e das minas de diamantes do Brasil.
O Palácio de Monserrate, arrendado e recuperado por si em 1791, foi uma das obras a que se dedicou durante a sua presença em Portugal, além do de Benfica, que possuía jardins magníficos. Também o presbitério da igreja anglicana e o hospital britânico em Lisboa tiveram a mão de Gerard de Visme.
O palácio de De Visme era um edifício simples constituído por uma estrutura de corpo central mais elevado que se ligava a duas torres cilíndricas nas extremidades. O seu vocabulário estético, inspirado no gothic revival inglês, contrastava, de certa forma, com o programa neo-clássico do palácio que De Visme tinha feito erguer em Benfica e onde residia a maior parte do ano. Isto é natural, uma vez que em Inglaterra as duas correntes nasceram simultaneamente, em meados de Setecentos, e não fez mais do que seguir a dicotomia do gosto da sua pátria.
Este vocabulário seguia uma fórmula assaz simples, resumindo-se ao coroamento ameado de toda a estrutura e ao ogival das aberturas – razão porque Beckford referia ter sido desenhado por um carpinteiro de Plymouth. As dúvidas quanto à autoria do projecto, todavia, persistem ainda hoje, apesar de alguns historiadores o atribuírem ao arquitecto inglês William Eldsen (autor da Sala dos Reis da Abadia de Santa Maria de Alcobaça).
O segundo projecto, o hoje existente, confirma a feição inglesa de arquitectura de paisagem que De Visme atribuíra ao edifício no final do século XVIII, Beckford confirmara e Francis Cook acentuou, acrescentando-lhe mais tarde um extenso e exótico jardim.
O terramoto de 1755 causou grandes estragos na propriedade e o seu estado agravou-se progressivamente até ao fim do século. Em 1790, e com o objectivo de «(..) arrendar utilmente a mesma Quinta, mas também promover a utilidade, conservação e augmento deste Predio (…)» (tal como revela um contrato assinado na época), D. Francisca Xavier Mariana de Faro Melo e Castro dá a arrendar a propriedade a Gerard Devisme, «(..) uni dos mais sólidos Negociantes desta Praça, caracterizado de conhecida probidade e de hum genio particular para a Agricultura (…)».
Ainda de acordo com o mesmo contrato, assinado em Janeiro de 1790, Devisme «pertendia não só arrendar a dita Quinta largo tempo, por ser aquele citio o niais rempto, o mais semilhante aos Ares da sua Patria, e por isso o mais conveniente para a sua saude e para descansar das fadigas do seu Comercio: mas tambem pertendia restabelecer a mesma Quinta, augmentando os seus Pomares e dando-lhe o beneficio de que carecião, readificando a seu arbitrio as cazas da mesma Quinta, as quais pelo estrago do Terramoto (…) padecerão ruma tal que as tem feito quazi inhabitaveis. e (…) fazendo as mais officinas de que preciza huma habitação decente, fechando a dita Quinta que he toda aberta, com grave prejuizo da sua cultura, e pondo o dito Predio nos termos de ser muito mais util e importante (..)» . O arrendamento era válido por nove anos.
De Visme, cujo monopólio ficou ameaçado pelo afastamento do Marquês de Pombal e pela Viradeira de D. Maria I, alugou Monserrate a Wi!liam Beckford, em 1794, e partiu para Inglaterra, no ano seguinte, aí permanecendo enquanto durou o arrendamento, e aí morrendo. Beckford não chegou a ficar na Quinta dois anos, partiu para Inglaterra e depois voltou a Portugal, em 1798.
Durante a estada de Beckford em Inglaterra (de 1795 a 1798), Monserrate foi arrendada aos três filhos de José de Oliveira, fidalgo da Casa Real. É a partir desta terceira estada em Portugal, de Outubro de 1798 a Junho de 1799, que Beckford renova o contrato de sub-locação aos herdeiros de Devisme por um período ininterrupto de nove anos, em 1807.
Depois, após a partida definitiva de Beckford, em 1799, a propriedade foi totalmente votada ao abandono: «ninguém da alta nobreza estava à altura de continuar os grandiosos sonhos do “rico” Mr. Devisme (…) e ainda menos de velar pelo bom estado do “paraíso” e de dar sequência aos “projectos de felicidade” que foram concebidos pelo mais rico dos ingleses».
De Visme morreu em 1797, em Inglaterra, e está sepultado na Igreja de St Mary’s, em Wimbledon.