Um depoimento de Joana Constantino, Presidente da Comissão de Festas de 2015:
A Paróquia de Belas receberá este ano a Veneranda Imagem de Nossa Senhora do Cabo Espichel, uma vez que faz parte do chamado “Giro dos Saloios”.
É uma antiga tradição que remonta aos sécs. XIV ou XV em que um conjunto de, actualmente, vinte e seis paróquias, presta culto a Santa Maria do Cabo numa peregrinação anual e rotativa.
Pertencentes a vários concelhos da chamada região saloia estão assim ordenados: S. Vicente de Alcabideche, Linda-a-Velha (desde 2012, em substituição de S. Romão de Carnaxide), S. Julião do Tojal, S. Pedro de Penaferrim, Nª Srª da Misericórdia de Belas, Stª Maria de Loures, S. Lourenço de Carnide, S. Pedro de Barcarena, S. Pedro de Lousa, Stº Antão do Tojal, Nª Srª da Purificação de Oeiras, Nª Srª do Amparo de Benfica, S. Domingos de Rana, S. João das Lampas, Nª Srª da Purificação de Montelavar, Nª Srª de Belém de Rio de Mouro, Nª Srª da Ajuda de Belém, Ascensão e Ressurreição de Cascais, Santíssimo Nome de Jesus de Odivelas, S. Martinho de Sintra, S. Pedro de Almargem do Bispo, Stº Estêvão das Galés, Nª Srª da Conceição da Igreja Nova, S. João Degolado da Terrugem, S. Saturnino de Fanhões, Stª Maria e S. Miguel de Sintra.
Não se sabe ao certo a razão do início deste culto, deste voto colectivo, mas conta a lenda que um saloio teria observado da sua terra, Carnaxide, estranha luminosidade, vinda dos lados do Cabo Espichel. Resolveu ir ver de que se tratava. Meteu-se ao caminho e com os fracos recursos da época, chegou cansado e, por certo esfomeado à zona da Caparica. Aí foi acolhido por uma senhora idosa a quem contou o motivo da sua viagem. Logo combinaram que, de manhãzinha, partiriam ambos em demanda de tal luz. Cansado, o saloio dormiu profundamente. Curiosa e impaciente, a boa senhora, com pena de acordar o pobre homem, partiu sozinha, deixando o saloio entregue ao sono. Acordando e vendo-se sozinho, rapidamente recomeçou a viagem. Segundo Frei Agostinho de Santa Maria, ao chegar «vê a Prodigiosa Imagem da Mãe de Deus, a quem já adorava a venturosa Caparicana». Logo o saloio «se prostra junto a ela reverente (…); e conhecendo ser vontade de Deus, que se desse Culto a sua Santíssima Mãe naquele lugar retirado, na solidão do deserto assim o prometem, e se tem praticado até ao presente (…).
A vila de Belas participou pela primeira vez no Giro Saloio em 1435, fazendo, portanto este ano 570 anos.
Ao longo destes séculos Belas teve primordial importância na evolução e realização destas manifestações de religiosidade popular e, nas palavras de Heitor Pato: “Convenientemente servida desde a ocupação romana por uma rede viária consolidada a norte de Lisboa: por aqui passavam os festeiros da Senhora do Cabo oriundos de localidades como Montelavar, Almargem do Bispo, São João das Lampas, Terrugem, Sintra ou Rio de Mouro; seguindo depois pela ponte filipina de Carenque e estrada de Caselas até ao Alto da Ajuda e Belém, aí atravessavam o Tejo em direcção a Porto Brandão e cruzavam a charneca até ao promontório sesimbrense.”.
Devido à sua centralidade geográfica, ocupou o lugar de “Cabeça da Confraria”, isto é, o lugar onde, todos os anos, a 25 de Março e no segundo domingo de Agosto, se reuniam todos os confrades. Era nessa altura que as decisões relativas ao Círio eram tomadas. Numa dessas reuniões, em finais do séc. XIX, determinou-se o fim das idas anuais destes Círios ao Cabo Espichel.
Contrariamente ao que possa parecer, foi esta alteração de procedimento que garantiu a sobrevivência deste culto secular.
Diz um antigo ditado popular da região saloia: “Sou como a Senhora do Cabo, tudo o que tenho, comigo trago!” Este ditado baseia-se no procedimento relativo aos bens pertencentes à Confraria que ainda hoje se verifica: Alfaias religiosas, mantos, estandartes varas dos Juízes, livros de registos, tudo devidamente inventariado e catalogado fazem parte do denominado “Tesouro”. Esses bens transitam da freguesia onde estiveram para a freguesia que os acolhem e ali permanecem durante aproximadamente um ano. Trata-se de um “Tesouro” de grande valor histórico e principalmente estimativo.
São Pedro de Penaferrim é a Freguesia que nos antecedeu. Deles recebemos enorme ajuda. Cumpriu-se assim este desígnio de boa vizinhança de entre ajuda de que estas manifestações se revestem.
Pedimos à Virgem do Cabo que nos ajude a passar este sentimento aos vindouros e a saber transmitir a Sta Maria de Loures o conhecimento e a força que de Sintra recebemos.