O “nosso” 25 de Abril

Nesta página, e por ocasião dos 40 anos do 25 de Abril, iremos publicar depoimentos, textos, fotos, desenhos ou memórias da forma como os nossos amigos e associados viveram esse dia (os mais velhos) ou como o vêm os demais, seja por recordações de escola ou familiares, seja por experiências por si passadas.

25 de Abril de 1974

 

miguel real

MIGUEL REAL, escritor e ensaísta, Sintra

O 25 de Abril de 1974: Um Dia Puro

É impossível pensar no dia 25 de Abril de 1974 sem ser possuído por um duplo sentimento: por um lado, o do júbilo, pelas realizações alcançadas no campo social, no campo económico, no campo urbanístico, no campo da ciência, enfim, em todos os campos que perfazem a totalidade da sociedade portuguesa, que sofreu um dos maiores impulsos de progresso de toda a sua já longa história; por outro e simultaneamente, ser totalmente inundado por um sentimento de pesar, pelo que se poderia ainda ter realizado no sentido de uma ética comunitária e não ser forçado a viver um autêntico regresso civilizacional nos costumes e na organização do Estado a que assistimos actualmente.

De facto, o dia 25 de Abril concentrou em si todas as qualidades ou virtudes éticas positivas desenvolvidas pela Civilização Ocidental: generosidade, liberdade, igualdade, solidariedade, fraternidade, bondade racional na relações com os outros, isolando o mal social de um grupo militar e político tão frágil e minoritário que desabou sem protestos audíveis. Neste sentido, o 25 de Abril foi, de facto, um dia puro, cheio de virtudes, ausente de manifestação de vícios e perversões, que recomeçariam mais tarde, criando a divisão, a desunião e o conflito entre grupos. Mas não no dia 25 de Abril, cuja explosão festiva foi recebida em todo o país como uma autêntica expansão de liberdade individual.

Deste dia puro, nasceu todo o bem celestial que inundou Portugal – a contenção nas divisões entre classes sociais, a universalização das pensões de reforma, o serviço nacional de saúde, a escola pública gratuita de qualidade, a consolidação de vencimentos razoáveis, o aumento da esperança média de vida, a vacinação geral das crianças, o recuo da tuberculose e do raquitismo para níveis mínimos, a protecção na velhice, enfim, a garantia para um pai e uma mãe de que terão pão sobre a mesa para os filhos, escola para os filhos, que estes no futuro terão direito a um salário decente e não serão explorados como novos escravos, a garantia de que os hospitais os acolherão em futura doença … Com efeito, as ondas de choques deste dia puro promoveu um estado geral de bem-estar e de prosperidade como nunca houvera em Portugal.

Porém, verdadeiramente, a pureza não é deste mundo, e rapidamente a cisão e o conflito tomaram conta da sociedade portuguesa, iniciando-se, a partir da década de 1990, um retorno a antigos estados de pobreza e de exploração, próprios do Terceiro Mundo. Uma elite histórica e culturalmente ignorante, comandada há 25 anos pelo Prof. Cavaco Silva, utilizando modelos económicos estranhos à cultura portuguesa, tem vindo, desde há cerca de 1o, 15 anos, a fazer retroceder o país para níveis de desigualdade social e de pobreza  económica que se presumiam definitivamente superados.

Hoje, 40 anos depois do 25 de Abril de 1974, em nome de um estado liberal, temos a maior carga fiscal de sempre, que afoga as famílias de classe média e premeia a especulação financeira, o lastimoso espectáculo de quase um milhão de desempregados (verdadeiramente, 1,4 milhões), 660 mil famílias que não conseguem pagar empréstimos à banca, mais de 2,7 milhões de pessoas no limiar da pobreza, que, sem os apoios sociais do Estado, atingiria a cifra astronómica de 4 milhões, 250 000 novos emigrantes desde 2011…

Do dia Puro, hoje já registado na história de Portugal, transitámos abruptamente (em 40 anos) para um autêntico inferno.

 

 

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FERNANDO MORAIS GOMES, jurista, Sintra

Naquela quinta-feira não houve aulas e o ponto de Física ficou adiado por causa duns militares que ocuparam o Terreiro do Paço, o meu avô telefonou logo de manhã a aconselhar que não saíssemos de casa, chuviscava e o dia estava cinzento. Na televisão, passaram um episódio do Daktari, contente por não haver aulas, aproveitei e fui ao barbeiro, onde corriam boatos desencontrados sobre o sucedido, um dia sem aulas era sempre uma festa.

No dia seguinte o D.Pedro V, liceu de Lisboa onde frequentava o 5º ano (hoje 9º) estava agitado, o porteiro fugira, era informador da PIDE-DGS. No sábado, 27, depois duma avalanche de acontecimentos e debaixo de chuva, subi com os meus pais e irmã ao Carmo, onde os soldados com cravos nas armas e pendurados em blindados tiravam fotos com populares. Tudo acontecera em poucas horas. Lisboa, cinzenta e molhada, exultava de alegria, na estátua do Rossio, uns guedelhudos invetivavam alguns transeuntes apelando à sua prisão, informadores da PIDE, denunciavam, levando à sua detenção por populares acirrados. Com um megafone, Saldanha Sanches, do MRPP, ( mais tarde soube quem era) clamava contra os fascistas.

Em poucos dias, tudo mudou. O “careca megalítico”, professor de História, até ali sorumbático mostrava-se agora simpático e adepto da nova situação, opositor silenciado durante anos, rejubilava. Mais receoso, o professor de Moral, temia a anarquia. Embriagados pelas notícias da liberdade que de todo o lado choviam, animados por canções de protesto nunca antes escutadas, descobriam-se mundos escondidos, os sons de Zeca, Fanhais, Luís Cília e Adriano, na sala de alunos manifestos policopiados  e jornais de parede em profusão apelavam a RGA’s, a nova vida da escola seria discutida no dia seguinte.

O primeiro plenário do MAEESL- Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa decorreu no ginásio do Liceu D.Pedro V, tendo o reitor, obviamente “lacaio” do regime, sido previamente saneado. Apesar de já saber algo de política- o meu avô era opositor do regime e antigo apoiante de Norton de Matos e Humberto Delgado, e no 1º de Maio de 1973 foi mesmo agredido no Rossio, por participar numa concentração não autorizada- pela primeira vez ouvi falar de Álvaro Cunhal e Mário Soares, apesar de Spínola ser um nome de quando em quando sussurrado em minha casa ao jantar.

No dia do trabalhador, com meus pais subi a Almirante Reis e estive no grande 1º de Maio de 1974 Portugal estava todo ali, o país do fado em festa, marinheiros e anónimos abraçados, o mundo olhando para um esquecido rincão atlântico que desassombrado e agigantando-se fazia a primeira revolução utópica dos tempos modernos.

Nas semanas seguintes, o país transfigurou-se, a escola entrou em ebulição, os partidos dividiram as opiniões, os plenários foram ficando organizados, a democracia  gatinhou, vendo os jovens tornando-se homens. Nada poderia deter a força indómita da geração da liberdade.

Algumas fotos do 1º de Maio de 1974 tiradas por mim. O senhor de óculos na foto de cima à direita é o meu pai.

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MARIA DO CÉU RAPOSO

Covilhã, 24 de Abril… serão prolongado… estudo obrigatório para o ponto de latim do dia seguinte… em música de fundo o programa “Limite”.

De repente, e depois de anteriormente terem passado duas canções das tais… ouve-se “Grandola Vila Morena”!!!

Apesar da pouca politização que os jovens de 17 anos a reisidir no interior possuíam, deu para pensar: – Estes fulanos hoje estão a pisar o risco em demasia…

No dia seguinte, 25 de Abril, levantar a horas para ir para o liceu. Esquisito não haver notícias no rádio nem televisão e só se ouvirem marchas militares…

Durante as aulas, bem que púnhamos questões aos profs que, eventualmente no-las podiam dar, mas o silêncio era total e as aulas decorreram normalmente, até o ponto de latim… Apenas a prof de filosofia ousou dizer: -“Amanhã, talvez possamos falar sobre o assunto, até lá aguardemos os acontecimentos”

O dia foi decorrendo normalmente, mas pairando no ar muitas dúvidas e muita expectativa. Ninguém sabia ao certo o que se passava, não havia comunicações e não se conseguia falar para quem vivia em Lisboa, as pessoas apenas murmuravam suposições, pois não queriam arriscar mais uma investida da polícia do Estado, até que, à noite todos puderam ouvir e tornar a ouvir e voltar a ouvir incredulamente,  o “comunicado das forças armadas”!!!

Foi assim que começámos a poder “falar sobre o assunto” com a prof de filosofia e não só, a partir de 26 de Abril!!!

Quem nesse ano estava no 6º ou 7º ano do liceu, viu-se com uma disciplina a menos a OPAN, Organização Política e Administrativa da Nação, para fazer. Lembram-se?

Foi assim que, de mansinho, respirámos liberdade…

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