Em artigo publicado no jornal PÚBLICO de 12 de Março de 2021, o historiador Vítor Serrão elenca os dez mandamentos do que, para si deve ser a atitude cívica e cultural perante o património histórico-cultural, entre nós tantas vezes declinados. Passamos a transcrever:
- Os monumentos e obras de arte têm direito à sua continuada vivência estética, material e simbólica
- Os monumentos e obras de arte têm direito a ser estudados, analisados e ensinados, vivenciados e conservados.
- Os monumentos e obras de arte têm direitos inalienáveis de salvaguarda, inventariação e classificação.
- Os monumentos e obras de arte têm direito ao escrutínio crítico e à integridade física em cada nova situação ou tempo histórico.
- Os monumentos e obras de arte têm direito à inutilidade e a não serem subjugados aos interesses que lhes impunham rentabilidade ou possam de algum modo provocar a sua destruição, mutilação ou perda absoluta de autenticidade.
- Os monumentos e obras de arte têm direito, em nome da sua autenticidade, a apelar à resistência das comunidades perante ameaças iconoclásticas.
- Os monumentos e obras de arte têm direito, em nome da sua autenticidade, a apelar à resistência das comunidades perante casos abusivos de iconofilia.
- Os monumentos e obras de arte têm direitos a desempenhar uma função de cidadania pelo facto de assumirem sempre um valor testemunhal.
- Os monumentos e obras de arte têm direito a dar cumprimento às suas mais-valias históricas, estéticas, pedagógicas e sociais, que, tal como ontem, continuarão sempre operativas.
- Os monumentos e obras de arte têm direitos de inclusão face à heterogeneidade (religiosa, social, rácica, política) dos seus interlocutores de ontem, de hoje e de amanhã.
Reflexões que se aplicam a décadas de aviltamento e desvirtuamento do espírito de muitos lugares, hoje de memória traída e exangues de reparação por muitos crimes, dolosos ou negligentes.
Vítor Serrão fala-nos de direitos, acrescentaria mais: face ao campear da negligência popular ou da burocracia dormente que olha para o património apenas quando o pode rentabilizar, prostituindo-o, concebendo o património cultural como subordinada a meros critérios de objeto turístico ou de bibelôt para concursos televisivos ou cenário de novelas, em igual medida se torna gritante o dever de ação efetiva, atalaia incansável e proclamação dum verdadeiro estado de necessidade face ao desmoronar não só do património material, como da herança do passado, ora abandonada a interesses imobiliários, ora desprezada aos abusos da iconofilia impune.
Fernando Morais Gomes