Parecer da Alagamares sobre o Projecto para a ARU de Sintra

É o seguinte o teor do parecer adoptado pela Alagamares no quadro da discussão pública em torno do  Programa Estratégico de Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Sintra (ARU), hoje entregue na Câmara Municipal de Sintra:

Apresentada a proposta de programa estratégico para a Área de Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Sintra (ARU) pela Câmara Municipal de Sintra, a Alagamares – Associação Cultural, vem, no âmbito das suas atribuições estatutárias e responsabilidades cívicas, apresentar o seu parecer sobre a proposta que se encontra em fase de discussão pública.

 

A presente proposta, fundamentada legalmente no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana[1] (doravante, RJRU), tem como horizonte a reabilitação urbana de edifícios degradados e a reconversão de outros tantos subaproveitados, potenciando dessa forma o regresso de habitantes ao centro histórico, a dinamização do comércio local, a diminuição do impacto ambiental e visual da degradação do local e, de não menor importância, deve ainda visar o cuidado com o espírito do lugar.

 

Este programa que tem um prazo de implementação de 12 anos (2015 – 2026) extravasa porém os fins do RJRU e, à qualificação do ambiente urbano, enxerta no conjunto dos seus propósitos a mobilidade (trânsito e estacionamento), a actividade económica e social e a governança.

 

Desde o plano de urbanização de Sintra (1949), elaborado pelo Arquitecto Étienne de Gröer, é apresentado pela primeira vez um programa com uma perspectiva holística do centro histórico, permitindo o seu desenvolvimento coerente e sustentável para a próxima década. Este é contudo um desafio ao diálogo e ao consenso entre a autarquia e as forças sociais do centro histórico, que a Alagamares almeja que seja profícuo e consequente.

 

No que é referente à reabilitação dos edifícios, resulta do levantamento exaustivo dos imóveis e do seu estado de conservação a necessidade de intervenção em edifícios que são propriedade privada da Câmara Municipal de Sintra. Não questionamos a sua necessidade de reabilitação, todavia o documento não é esclarecedor sobre o futuro do Hotel Netto, sobre as casas situadas nas escadinhas do hospital da vila (apesar da referência ao arrendamento jovem) e sobre a venda da delegação da junta de freguesia da União das freguesias de Sintra (que a Alagamares se opõe, pois o processo de unificação das freguesias não está pacificado).

 

A previsão de harmonização de fachadas de edifícios, de painéis publicitários, de toldos e esplanadas é uma necessidade bem identificada na proposta, todavia é importante definir qual é a harmonização em concreto, para que não se repita o caso do toldo na esplanada do Hotel Central.

 

Ainda no eixo estratégico da qualificação do ambiente urbano destacamos e apresentamos as propostas seguintes:

 

  1. Identificação e resolução urgentes, no espaço público do centro histórico, das barreiras arquitectónicas que se impõem diariamente às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, pois o documento é totalmente omisso nesta temática e parece-nos que este programa é uma oportunidade de resolver os problemas existentes, honrando-se assim os princípios da igualdade e da solidariedade.
  2. O estacionamento periférico apresenta-se como uma boa solução, todavia questionamos a construção de um silo na Portela de Sintra, junto do Departamento de Urbanismo da CMS, pois aumentaria a pressão do tráfego numa zona já congestionada;
  3. Propomos a construção do silo junto do tribunal de Sintra, aproveitando as estruturas viárias existentes e subaproveitadas (Exº A16) e constituindo-se aí um grande interface para os turistas que chegam de automóvel e comboio e que desejem deslocar-se de autocarro (ecologicamente eficiente) ao centro histórico e monumentos. Não esquecendo que essa será a estação terminal do eléctrico, com paragem na Av. Heliodoro Salgado;
  4. Propomos a criação de um “caderno de cupões” de desconto no acesso aos monumentos e museus de Sintra, oferecido na compra de um bilhete diário de estacionamento nos silos. Além da entrada em monumentos e museus, poderão ainda ser oferecidos, mediante parcerias com comerciantes e prestadores de serviços, descontos nos transportes públicos, nos “tuk-tuk”, nos restaurantes, nas pastelarias, entre outros;
  5. Não apoiamos a construção de um teleférico pois, além do seu impacto visual e na fauna (nomeadamente, nas espécies de aves protegidas), é uma solução do século passado, existindo meios mais eficientes e de menor impacto visual e ambiental;
  6. Na Av. Heliodoro Salgado reconverter o seu piso em calçada portuguesa e reabrir a avenida a um sentido do trânsito (sentido MUSA – Vila);
  7. Com a criação de um sentido giratório do trânsito, no centro histórico, definir zonas interditas às charretes e aos “tuk-tuk” para não criarem congestionamentos em razão da sua lentidão;
  8. Construção de um “Sintra Welcome Center”, na Vila Alda ou no Casal de S. Domingos, por exemplo, em localização central, ou no Museu Ferreira de Castro, se este vier a ser deslocado para outro sítio;
  9. Implementação de sinalética com informação exaustiva, “wi-fi” e “QR codes” em todos os locais de relevo;
  10. Alterar e adaptar as localizações e horários dos transportes públicos e praça de táxis da Vila (com novas paragens e praças junto aos parques periféricos), bem como regulamentar os “tuk-tuk” e operadores turísticos privados, hoje a actuar na sua quase totalidade de forma descontrolada;
  11. Replantar árvores na Praça da República, e classificar todo o arvoredo da zona da ARU como de interesse municipal, impedindo cortes, e promovendo apenas os que decorram de parecer fitossanitário devidamente fundamentado;
  12. Criar uma zona de parqueamento de caravanas no Ramalhão, Chão de Meninos e/ou junto ao Tribunal;
  13. Uniformizar o mobiliário urbano e remover as antenas obsoletas.

 

 

A sustentabilidade económica e social é fundamental, pois sem as pessoas o centro histórico não poderia subsistir. As pessoas que habitam o centro histórico, que o vivem e que o visitam são as criadoras, no seu tempo, do espírito do lugar.

 

A proposta centraliza-se no turismo como substracto principal do desenvolvimento económico. Apesar da sua inegável importância, parece-nos que se deve relevar a cultura como pilar económico do centro histórico, nomeadamente com as oficinas de artesãos, os grupos de teatro, as bandas musicais, as galerias de pintura e escultura, as livrarias, entre outras actividades que criam emprego e que fixam residentes no centro histórico.

 

Neste sentido, propomos o seguinte:

 

  1. Celebração de contratos de comodato de cedência de imóveis privados da CMS, entre autarquia e as associações culturais, agentes culturais e artesãos que se obriguem a criar emprego nesses espaços (acreditamos que os imóveis situadas nas escadinhas do hospital da vila teriam potencial para este projecto). Evitando-se a situação actual de cedência de espaços em regime de comodato sem a contrapartida de criação de emprego;
  2. Subscrevemos o apoio ao arrendamento jovem, contudo devem ser definidos quais os critérios desse apoio e sem nunca esquecer o apoio aos idosos arrendatários do centro histórico;
  3. A construção de um centro de saúde moderno, bem localizado e com boas acessibilidades, que assegure o crescimento populacional do centro histórico;
  4. A elaboração dum Plano de Marketing Turístico e Comercial de médio prazo.

 

 

A governança é um pilar estratégico de um poder autárquico democrático e autónomo. A criação de um gabinete de reabilitação urbana, a elaboração de um relatório anual de monitorização a apresentar junto da CMS e da Assembleia Municipal, os benefícios tributários e a intervenção no património da CMS, visam assegurar a autonomia e a fiscalização democrática do programa.

 

Contudo, no que respeita à fiscalização democrática do programa, parece-nos demasiado formalista e distante das pessoas. Por este motivo propomos a constituição de um órgão colegial “ad hoc”, com natureza consultiva e não vinculativa, constituído por representantes das associações cívicas sediadas nas freguesias do centro histórico e com o fim de acompanhar o desenvolvimento do projecto e de emitir um parecer anual junto da CMS e da Assembleia Municipal sobre o mesmo.

 

Conscientes do valor da discussão democrática para a construção de soluções historicamente dignas e socialmente pacificadoras, apresentamos o nosso contributo para ponderação e análise de V. Exª sobre a proposta em discussão pública.

 

Subscrevemo-nos com os nossos cumprimentos,

 

Saudações Culturais

[1] Aprovado pelo Decreto – lei nº 307/2009, de 23 de Outubro, vigente com as alterações introduzidas pela Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto e pelo Decreto – lei n.º 136/2014, de 09 de Setembro.

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