O LOCAL:
O sítio de Santa Eufémia, situado num dos cumes da Serra de Sintra, na freguesia de São Pedro de Penaferrim, está presente através de todos os períodos da História sintrense como lugar privilegiado destinado a receber encontros informais de cidadãos que primem pela confraternização. De facto, o carácter pitoresco do lugar, a relativa facilidade com que se lhe acede, as magníficas vistas que proporciona e o factor religioso por via da presença da ermida de Santa Eufémia, fazem com que esse local tenha importância particular na vida da comunidade, em particular a do bairro de São Pedro, desde tempos imemoriais.
A lenda de Eufémia, mártir de Constantinopla que se recusou a prestar sacrifícios ao deus pagão Ares, tendo por isso sofrido torturas e levada à morte através de ataques de ursos numa Arena, impostos pelo imperador Diocleciano, foi trazida para o Ocidente ainda durante a Antiguidade Clássica e Sintra é uma das localidades do País que possui na sua etnografia a devoção a tal santa. Neste sentido, a tradição etnográfica e religiosa atesta a deslocação de pessoas a Santa Eufémia para prestação de culto e também para uso das águas milagrosas que correm na sua fonte e que todos os males de pele curam. Embora o dia da mártir seja o 16 de Setembro, ao longo da história recente encontramos a sua celebração e existência de Círio, levados a cabo fora dessa data, principalmente em finais de Agosto, talvez devido a questões de oportunidade. A imprensa relata-nos, desde o último quartel do século XIX, a participação de todas as categorias sociais nas vivências de Santa Eufémia, quer seja através da presença da rainha Dona Amélia nas festas em honra da santa ou através de piqueniques ocasionais levados a cabo por famílias da burguesia. Seja então por questões de fé, de lazer ou de socialização pura, a Memória humana em Santa Eufémia é tão antiga quanto a lenda.
O DIA DO TRABALHADOR…
A História remete-nos para o dia 1 de Maio de 1886, data instituída como a originária do que viria a ser a consagração do Dia do Trabalhador a nível mundial nessa data. Naquele dia ocorreu uma manifestação de 500 mil trabalhadores nas ruas de Chicago, Estados Unidos da América, reivindicando a redução da jornada de trabalho para as 8 horas diárias. Os protestos estenderam-se por mais 3 dias, sendo que a 4 de Maio aconteceram os incidentes mais graves onde, após o rebentamento de uma bomba junto a uma posição de polícia, esta abre fogo sobre a multidão matando várias pessoas. Mais tarde, em 1889 no Congresso de Paris, inserido no arranque da Segunda Internacional socialista, é decidido estabelecer o Primeiro de Maio como dia de reivindicar a jornada de trabalho de 8 horas e assim, ao mesmo tempo, prestar homenagem aos acontecimentos de Chicago. Nova tragédia viria a acontecer em 1891 onde no mesmo dia uma manifestação no norte de França é repelida pela polícia causando 10 mortos. Como consequência, nesse mesmo ano é declarado em Bruxelas, em outra reunião da Segunda Internacional, o dia 1 de Maio como data internacional para a homenagem aos trabalhadores. Em 1919 o senado francês institui a data como feriado a exemplo da Rússia no ano seguinte, globalizando-se aos poucos a iniciativa.
…EM SANTA EUFÉMIA:
Em Portugal a data é assinalada pela primeira vez em 1890 embora de forma algo discreta. A simbologia do dia ganha algum fulgor nos anos de transição para a República. Com o Estado Novo as iniciativas de comemoração e reivindicação sofrem óbvio revés devido a opressão do Regime, em nada dado a tomar em consideração “acções desordeiras”. Somente após o 25 de Abril de 1974 é que o dia é instaurado como feriado. Embora se desconheça com exactidão a ligação dos festejos do Dia do Trabalhador ao lugar de Santa Eufémia, certo é que ali também somente após 1974 tais iniciativas passam a realizar-se com devida regularidade. A dada altura a Junta de Freguesia de São Pedro de Penaferrim começa a “patrocinar” o convívio com oferta de pão, vinho e sardinhas. Aliás, a estreia nas “sardinhadas” em São Pedro tem o início naquele dia. Mas não só de comida e bebida se fazia o dia. Actuação de Ranchos Folclóricos e Bandas Filarmónicas emprestam ao evento um cariz etnográfico. Tal dinamismo não é com certeza alheio ao trabalho de uma Comissão de Melhoramentos que, entre os anos de 1976 e 1977, com o apoio da Junta de Freguesia, levam a cabo obras profundas de reabilitação do local e a execução do caminho de acesso ao terreiro. O sítio há muito sobrevivia ao abandono e é certo que o envolvimento das gentes proporcionou uma maior afectividade ao lugar. Porém, tal não significa que anteriormente a 1974 se tivesse deixado de promover os ditos convívios. Na memória dos mais velhos subsistem ainda as iniciativas tomadas por grupos de tipógrafos, a que se viriam a juntar “trabalhadores da pedra” e outras classes de operários. Embora na clandestinidade e na maior discrição possível, os encontros nunca se deixaram de fazer. Desconhece-se todavia a regularidade temporal que tomaram. Todavia, até agora o registo mais antigo do convívio do Primeiro de Maio em Santa Eufémia leva-nos a 1912. O jornal O Concelho de Cintra no seu número 67 de 20 de Abril de 1912 publica um anúncio da Associação de Classe dos Trabalhadores do Concelho de Cintra convidando os seus associados para uma Merenda Democrática a realizar no 1.º de Maio em Santa Eufémia, “abrilhantada pela magnífica música de São Pedro de Cintra.” (banda filarmónica do 1.º Dezembro?). O mesmo jornal, no seu número 22, respeitante a 7 de Maio do ano anterior, noticia outra Merenda Democrática levada a cabo no 1.º de Maio, desta feita no campo de Seteais onde actuou uma fanfarra composta por filarmónicos da União Sintrense e da União 1.º de Dezembro de São Pedro. A Merenda Democrática, sugestiva denominação aliás, era um arraial realizado por iniciativa dos republicanos na altura da transição de regime. Terá começado ainda antes da Implantação da Republica e durado alguns anos após instauração da mesma. Terá então desaparecido à medida que se desvanecia o furor ideológico de mudança. Encontramos assim o início da tradição de celebração do Dia do Trabalhador no palco natural mais propício às celebrações sociais na Serra de Sintra e bairro de São Pedro. Não descuremos contudo, a possibilidade de se ter iniciado logo em 1890, data que chega a Portugal, mas por agora fica o apontamento credível do ano de 1912. Que se mantenha a tradição por muitos mais anos é o que se deseja.
RICARDO DUARTE, Licenciado em História da Arte, Director da Alagamares.