Um artigo de Ricardo Duarte
Nos últimos tempos temos vindo a assistir a diversas iniciativas de reabilitação de imóveis, um pouco por todo o Centro Histórico de Sintra, levadas a cabo pelos seus proprietários, seja a título individual ou por empresas do ramo da Hotelaria. Sinal dos tempos, a Industria do Turismo predomina em tais acções pelo que vemos edifícios outrora destinados a habitação familiar agora transformados em unidades de Alojamento Local, Pensões ou similares. A paisagem urbana vem sofrendo por isso evidentes alterações uma vez que um grande número de exemplares arquitectónicos anteriormente devolutos ou em estado avançado de ruína aparecem agora rejuvenescidos, em consonância com aquilo que se pretende para um Lugar classificado como Património da Humanidade. Certo é que nem todas as intervenções primam pelas boas práticas que deveriam de ser observadas no que às especificidades estéticas e culturais de um Centro Histórico diz respeito. Mas se um conjunto de proprietários vai conseguindo, à revelia das Entidades fiscalizadoras (entre as quais se destaca como é óbvio a Câmara Municipal, a primeira que tem deveres de tutela) perpetrar autênticas atrocidades, também é verdade que em maioria verificamos intervenções bastante bem conseguidas.
Mas que sentido fará exigir à Câmara Municipal de Sintra que fiscalize e atente aos valores patrimoniais quando a mesma não consegue cuidar daquilo que é seu? Neste caso tem para apresentar no seu portfólio exemplos como o Casal de São Domingos, a casa de Francisco Costa ou o Chalet do Torreão, entre outros. Sabemos, e experienciamos, que por norma as estruturas camarárias são pesadas e burocráticas. As lógicas políticas e os ritmos administrativos tendem a protelar procedimentos que deveriam ser expeditos. Contudo, tais observações neste caso até nem se colocam, uma vez que a CMS tem produzido desde 1989 um documento de elevada qualidade que explana adequadamente o modo de operar em intervenções no património arquitectónico do Centro Histórico. Tem o título de Elucidário Arquitectónico-Construtivo para o Centro Histórico de Sintra e é o resultado de 2 anos de trabalho de um conjunto de 4 Técnicos camarários que superiormente regula tal actividade. Bastaria pois, que fosse aplicado.
No entanto, e em abono da verdade, observa-se que por parte de privados, tem Sintra exemplos de boas práticas que vieram valorizar a imagem do Centro Histórico. A recuperação de antigos armazéns na estação de Caminho-de-Ferro por parte da cadeia internacional de restaurantes Pizza Hut e a intervenção no Chalet Saudade são alguns exemplos. Importa agora dar conta de outro exemplo bem mais recente, ainda em curso até, que pela sua qualidade, merece que passe a servir de referência. Situa-se na Rua Gomes de Amorim, junto à Biblioteca Municipal e adjacente à Correnteza.
ANTES:
AGORA:
Não obstante as imagens falarem por si, não é exagero apontarem-se particulares cuidados tidos pelo proprietário. Todo o madeiramento e componentes férreos foram recuperados. A paleta de cores não só foi reabilitada, como nela se integrou pigmentos presentes na arquitectura sintrense de finais do século XIX e inícios do século XX, isto é, na Tradição: o ocre e o rosa salmão. A fachada azulejada mereceu especial atenção, tendo sido mantido todos os azulejos e replicadas as situações de falta.
Padrão policromo produzido em Lisboa no final do século XIX.
Este último aspecto é até o mais importante de todos pois em Sintra não abundam exemplos deste tipo de património genuinamente português: as fachadas azulejadas. Recordamo-nos ainda do atentado cometido em Dezembro de 2014 no Hotel Central e Café Paris e oportunamente denunciado pela Alagamares e outros cidadãos:
https://www.alagamares.com/contra-a-descaracterizacao-do-hotel-central-na-vila-de-sintra/
Consta que um responsável camarário terá “mandado avaliar” e concluído que “aquilo não vale nada”…
Ora, a intenção de recuperação de património representa despesa financeira para os seus promotores. Como em qualquer actividade, é normal que aqueles desejem praticá-la em menor quantidade possível. Valores como o Gosto ou o respeito para com a Identidade do Lugar são geralmente incompatíveis com o alívio dos cadernos de encargos. Ainda assim esta relação de factores não se traduz no efectivo binómio causa/consequência, isto é, não é exacto que a atenção para com os Valores signifique obrigatoriamente mais despesa. Mas estas são questões sobre as quais não importa aqui reflectir.
Por fim, terá neste caso imperado o adequado senso para produzir um caso exemplar. Esperamos pois que sirva de inspiração aos agentes, actuais e futuros, que intervêm no Património dos nossos Lugares. Sejam Privados ou gestores da Coisa Pública.