Rui Zilhão: “Os artistas hoje em dia andam ocupados a sobreviver”

Rui Zilhão é escultor, caricaturista, pintor, cenógrafo designer, e muito mais. Prémio Estudante António Arroio:  1988 – 2º Prémio e Menção Honrosa 1999 – 1º Prémio, 2º Prémio e Menção Honrosa Logótipo para “III Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais”- Menção Honrosa, é um artista multifacetado e interventivo. Falámos com ele, no âmbito das suas atividades, ouvindo o seu testemunho e opiniões. 

Quem é o Rui Zilhão?

Um defensor da diferença na igualdade, da originalidade, da criatividade e da cultura pela arte, do conhecimento e do saber. Artista por vocação, faço o que me dá mais prazer como profissão: crio, represento ou interpreto realidades. Pouco preocupado com o passado ou o futuro, gosto de me manter tranquilo no presente, sempre que possível. Gosto de desafios e quebra-cabeças, de observar, questionar e reflectir. “Acredito” é uma palavra que uso pouco, acreditar não é saber. Acreditar é não pensar. A pergunta/dúvida/questão é o ponto de partida para o conhecimento. Quem sou? Em resumo: Sou o resultado de 49 anos de existência.

Como surgiu o gosto pela pintura e caricatura?

Desde que me lembro. O meu pai pintava a óleo e fazia retratos a carvão nas horas vagas, e sempre me fascinou esse mundo da representação. Ao início, com 4 ou 5 anos, copiava os desenhos lado a lado, o Donald, Patinhas, Zé Carioca, etc. Depois, passei a representar o que via á minha volta. Tenho um retrato que fiz da minha mãe numa folhinha de 10x6cm em 1978, com 7 anos de idade, penso ter sido o meu primeiro retrato (hoje preciso de óculos para ver esse mini retrato).  Lembro que no 7º ano, já vendia T-shirts pintadas à mão, espelhos e frascos pintados com o Snoopy, ilhas, palmeiras e coisas da moda. A caricatura apareceu já quase no final do curso de Pintura, em 1995, quando surgiu a oportunidade de desenhar caricaturas ao vivo em alguns eventos. Demorou um tempo a aperfeiçoar a técnica rápida ao vivo, pois não havia ninguém a ensinar. Ainda hoje estou sempre a aprender, não sei nada.

Fala-nos um pouco do teu percurso artístico

Cronologicamente, fiz o Curso Técnico Profissional de Cerâmica na escola secundária António Arroio, os meus preferidos 3 anos de escola. Um ano em Desenho, na ARCO Lisboa. Um ano em Escultura na FBAUP, um ano de Design de Comunicação na FBAUL, e Licenciatura em Belas Artes – Pintura pela FBAUL em 1997.

Sou um artista, com afinidade e gosto pela diversidade. Participei em  projectos artísticos como animação cultural, teatro, escultura, instalação. Ganhei alguns prémios, fiz algumas exposições individuais e colectivas, fui seleccionado em alguns concursos nacionais e internacionais (artes plásticas, design, ilustração/cartoon, retrato e caricatura).

Depois de terminar o curso de pintura, dediquei-me mais ao retrato e caricatura, ao vivo em todo o tipo de eventos, ou em atelier por fotografias. O que me possibilitou sempre, fazer e participar em outros projectos menos ou nada rentáveis, mas igualmente satisfatórios.

Como vês o panorama das artes em Portugal e no mundo?

Há a arte das galerias e leilões e milhões, e depois há a arte em volta de criadores pouco conhecidos, mas excepcionais, artesanato e arte de quem respira criatividade. A arte está em todo o lado, e não seríamos o que somos se não fosse essa nossa capacidade de criar coisas que nunca existiram.

Em Portugal o panorama sempre foi mau no apoio e reconhecimento da arte, e está a piorar.

Enquanto se olhar para a arte como algo do qual podemos prescindir, principalmente quase eliminando-a da educação escolar básica e primária, não vejo melhorias. As prioridades estão cada vez mais erradas.

Na realidade, neste mundo há demasiados intermediários entre o criador e o consumidor, seja fruta, peixe, pintura ou outra coisa qualquer. Gestores, assessores, supervisores, facilitadores, controladores, distribuidores, profissões cujo nome desconhecemos, mas que parasitam em todo o lado. Sempre que trabalho com um intermediário, o valor final, para o comprador, aumenta consideravelmente. O pescador recebe um euro e o consumidor paga dez. Temos de evoluir para algo melhor.

Quais são os artistas que mais aprecias?

Vários, em várias áreas, e muitos que ainda não conheço seguramente. Enumerar só alguns vai parecer pouco… Acima de tudo gosto de artistas em que a criatividade não se fica por uma só técnica ou estilo, ou uma obsessão interminável qualquer. Talvez uma pequena lista de artistas conhecidos, recentes na memória e sem ordem de preferência ou comparação, Michael Heizer, Christo, Tàpies, Louise Bourgeois, Olafur Eliasson, Banksy, Damien Hirst, e claro, séculos de grandes artistas, Picasso, Leonardo Da Vinci.

Quais foram os momentos que mais te deram prazer em participar, do ponto de vista artístico?

Colaborar três anos em projectos escultóricos de apetrechamento museológico (Fragata D. Fernando II e Glória – Museu de Marinha – Lisboa, Forte de Oitavos – Cascais, Museu de Electricidade – Lisboa, Malaposta – Lisboa), que consistia em fazer várias figuras humanas em situações/ações quotidianas. Foi uma constante aprendizagem, tirar moldes a pessoas e reproduzi-las até ao pormenor da impressão digital, para que parecessem pessoas de verdade, foi bastante enriquecedor. Apesar de não haver registos do meu nome nesses projectos, nem imagens do trabalho final no meu portefólio, (era apenas o colaborador), foi dos trabalhos que me deu mais prazer fazer.  Está no currículo.

Fiz registos fotográficos bastante interessantes de todo esse processo, que valem só por si.

Qual a tua opinião sobre o uso de plataformas digitais e do streaming?

Com o aparecimento de plataformas digitais com lucros criminosos quando o artista criador usado na maior parte das vezes recebe zero, não é de admirar que o artista tenha de pagar para trabalhar, passando dificuldades.  Até parece que o criador é o elo dispensável no processo. O artista partilha o seu trabalho e intermediários ficam multimilionários num par de anos, não me parece nada justo.

Visto pela perspetiva do utilizador, é tudo muito bom, tecnologicamente em avanço, é apenas a mais recente forma de «usar as coisas». Quem lucra?  Isso, pouco importa ao utilizador.

Como será a situação da vida cultural num mundo pós pandemia?

Nem “vai ficar tudo bem” porque já está mal, nem é bom o “novo normal”, nenhuma dessas palavras de ordem usadas até á exaustão e vómito faz sentido. Nem o que estão a fazer às crianças, nem o que estão a fazer com a mente e vida das pessoas, não há vida, diversão, arte ou cultura. Demasiadas coisas não fazem sentido nenhum. Estou muito triste com tudo o que vejo acontecer. E poucos pensam e questionam.

Estamos numa ditadura sanitária e a maioria das pessoas acredita estar justificada, seguindo a TV ao segundo e ignorando dados e factos da realidade, onde as pessoas acreditam mais em jornalistas do que em estudos científicos revistos por pares, onde o pensamento crítico/ analítico/abstrato deixou de existir, onde pessoas que pensam e questionam são “negacionistas”, onde parece haver cada vez mais divisões e lados, e todos opinam em tudo que é assunto porque “ouviram dizer”, o mundo está uma «república das bananas» amedrontado e com os valores todos trocados. O medo reina.

Se continuarmos como até aqui, a dar importância a coisas erradas e a acreditar no Pai Natal, estaremos muito mal. Continuaremos a pagar bem caro a vida bela dos nossos governantes e tecnocratas, que, claro, só querem o nosso bem. Se por outro lado a consciência global despertar a tempo de acabar com um sistema errado e viciado, em que a produção/lucro sempre crescente e a corrupção parecem ser o ponto número um da ordem de trabalhos (governos, organizações mundiais, multinacionais…), talvez lenta mas decididamente se organize um mundo melhor, essa só pode ser a tendência. Lenta tendência.

Quais as tuas ligações a Sintra? Queres realçar algum trabalho ou artista com quem tenhas cá trabalhado?

Vivo em Sintra (Cacém) desde 1987/8 quando vim estudar para Lisboa, para a António Arroio. O meu trabalho sempre foi sem fronteiras, mas a nível local fiz em Sintra menos do que gostaria de ter feito.

Como realce, colaborei algumas vezes com o Grupo de Teatro Tapafuros ( cenografia, design gráfico, adereços, actuação/interpretação musical), bons momentos de convívio e criatividade deram origem a um projecto de “spoken music” que durou 10 anos, os Orbesirindo (eu, Rui Mário e Pedro Hilário). Gostei bastante de ter criado/interpretado com os Tapafuros a peça “A Terceira Miséria” de Hélia Correia.

Outro realce, uma artista de Sintra com quem desenvolvi a parte criativa musical foi com a “Senhora do Ó” (Andreia João) nos seus projectos musicais, com contributos na percussão, harmónica, voz e guitarra… pedaços de criatividade que irão ficar registados no tempo. A música é uma arte que se presta bem a um encontro de criadores, a pintura por seu lado nem tanto. E como faz falta criar com outras pessoas, debater assuntos e ideias, é na música e no teatro que encontro o lado mais social da arte.

Qual a tua agenda próxima?

Sem agenda, sem cultura, sem eventos em vista. Apenas trabalho de atelier, o que não é nada mau nem me posso queixar, ao contrário da maioria dos artistas.

Neste momento estou a fazer dois retratos para Macau, quando os acabar, e não tendo uma encomenda até lá, ficarei à procura do próximo trabalho/cliente.

Um sonho profissional que gostavas de realizar

O meu sonho profissional está em contínua realização, vivo daquilo que me dá prazer fazer, haverá melhor coisa?

Claro que não me importava de receber uma grande encomenda em Sintra, uma “Capela Sistina” para a posteridade, um grande mural, uma enorme intervenção Land Art, ou que um mecenas qualquer me encomende a sua árvore genealógica em retratos a óleo …mas sem perder muito o sono com isso, ou com qualquer outra ambição de grandeza, isso não. Tenho tudo o que é essencial para uma boa existência. Penso que por isso é que há cada vez mais insatisfação, há hiper oferta de tudo pelos “vendedores de sonhos”, que se anda sempre atrás do que não se tem.  Eu prefiro aproveitar bem o que já tenho.

Uma mensagem para os agentes culturais de Sintra

É preciso apostar mais nos artistas de Sintra e na sua arte, mostrá-la, divulgá-la, desenvolver encontros regulares para debate de ideias e projectos, incluindo-os, chamando-os, reunindo-os e publicitando-os, pois os artistas hoje em dia andam ocupados a sobreviver.

Ligações web:

Website www.ruizilhao.com

Ver retratos e caricaturas de Rui Zilhão em www.retratos-caricaturas.com

Entrevistador Fernando Morais Gomes

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