Segundo a tradição local, a Feira das Mercês é bastante antiga e muito anterior ao século XVIII. Porém, as primeiras referências documentais à Feira e Romagem da Senhora das Mercês reportam-se apenas à segunda metade do século XVIII. A primeira referência colhe-mo-la nas «Memórias Paroquiais» de 1758 (referentes a Belas), onde se cita a feira livre de Meleças, realizadas no 3.º e 4.º Domingo de Outubro, sem mencionar, contudo, o orago (o da N.S. das Mercês ou outro). Nas mesmas «Memórias Paroquiais», mas referentes a São Martinho, o Prior Sebastiam Nunes Borges refere, integrada na “Vintena” do Algueirão, o lugar das Mercês (AZEVEDO, 1982). Um documento régio de 1771 (de 7 de Junho) esclarece que a feira se realizava, então, em: «...um lugar despovoado, e sito entre Meleças e a Ermida das Mercês…». A ermida era bastante exígua e tinha apenas um capelão, o que obrigava a muitos suplicantes ficarem sem missa, pelo que, entre outras razões mais prosaicas, o Rei, D. José I, manda transferir esta Feira e Romagem da Senhora das Mercês para a Vila de Oeiras, então senhorio do Marquês de Pombal (que era também o proprietário dos terrenos e ermida da feira de Meleças). A situação alterou-se em 1780 (17 de Outubro) quando D. Maria I autoriza aos: «… moradores […] do Sítio da Ermida de N. S.ª das Mercês, […] a continuar a sua Feira no 3.º e 4.º Domingos de Outubro », situação que ainda se mantém na actualidade (MAGALHÃES,1992).
Quanto ao órago da Senhora das Mercês sabemos que é bastante antigo em Portugal. Introduzido nos séculos XIV/XV pelos Frades Mercedários, de origem castelhana, na região de Alenquer (localidade de Merceana). No século XVIII, a forte devoção de Sebastião José de Carvalho e Melo pela Senhora das Mercês, devoção já com tradição familiar, como se pode aferir pelo seu baptismo na Igreja Paroquial de N. S.ª das Mercês, em Lisboa (PORTUGAL, 1974), está na base da forte implantação deste orago um pouco por toda a região e, sobretudo, nesta tradicional e secular feira.
Por outro lado Sebastião José de Carvalho e Melo, nas suas Apologias, invoca ser padroeiro da igreja de Nossa Senhora das Mercês de Lisboa e juiz perpétuo da Irmandade nela existente do Santíssimo Sacramento. Referindo que tudo fizera, logo após o terramoto, para restabelecer o culto divino naquele templo; e que obtivera meios do governo para acudir às religiosas que, após o cataclismo e a crise sísmica de 1755, vagueavam pelas ruas e a quem conseguiu que «… fossem recolhidas em decentes clausuras». Na sua argumentação apologética, faz outras referências ao seu empenho na ornamentação e edificação de ermidas nas suas quintas de Oeiras e da Granja de Sintra (actual Base Aérea n.º 1), assim como nas suas casas da Rua Formosa e do Algueirão para, como diz «… as pessoas da família e da vizinhança ali pudessem assistir aos actos de Culto» (SERRÃO, 1982).
Precisamente e com base, quer na tradição local, quer em suporte documental coevo, não temos qualquer relutância em aceitar que o tradicional cortejo (os mais idosos utilizam a designação de círio), de cariz suplicante ou penitencial, que a população do Algueirão Velho efectua no dia da Procissão da Nossa Senhora das Mercês, tenha tido origem na segunda metade do século XVIII com o patrocínio do 1º Marquês de Pombal, bem como dos seus descendentes familiares.
Aferimos esta hipótese com um documento proveniente da Cúria Patriarcal de Lisboa e constante dos Livros de Visitações Gerais (ms.54, fls. 31-31v.), que relata a visita à Paróquia de Nossa Senhora de Belém de Rio de Mouro, no ano de 1760 (PEREIRA, 1980), no qual que se pode ler o seguinte: «Tem as ermidas a da Nossa Senhora do Cabo [Espichel] na quinta da Azenha, tem donatário. (…/…). A da Nossa Senhora do Ó no sítio de Meleças, tem donatário. A de Nossa Senhora da Conceição do Recoveiro, da mesma sorte. A de São João Baptista e Santa Brígida no Telhal, o mesmo. A do Santíssimo Nome de Maria nas Serradas, o mesmo. A do Espírito Santo é do povo. A da Nossa Senhora das Mercês que o povo está de posse. Todas estão com decência e têm aprovação ordinária». Ora, a expressão que o povo está de posse consubstancia, em nossa opinião, que o povo detém o usufruto da ermida, mas não é o seu donatário. Porque, se o fosse, a expressão utilizada era a mesma para a ermida do Espírito Santo, de Rio de Mouro Velho, que o documento afirma inequivocamente que: é do povo. Por outro lado, a tradição oral e alguns, poucos, documentos escritos existente no acervo documental da actual Comissão de Festas do Algueirão, revelam-nos indícios desse usufruto por parte do povo do Algueirão, no período dos festejos da Senhora das Mercês. Contudo, esse usufruto decorria sob a orientação de Confraria/Irmandade, ou simplesmente comissão, previamente sancionada pela família donatária, com encargos pecuniários e de trabalho. Esta estratégia organizativa dos festejos que, tanto quanto julgamos saber, era usual na região saloia sintrense, prende-se com a ancestral necessidade dos proprietários em “rentabilizar” as suas propriedades.
Ora, sendo por demais evidente que a componente organizativa de raiz popular é bastante profunda no que concerne à festa a Senhora das Mercês, importa saber, se esta se quedava apenas pela celebração de Outubro ou se, outrora, o mesmo empenhamento popular promovia, para o mesmo espaço sagrado, outras celebrações. Efectivamente, temos notícias da realização de uma outra feira em Abril, a Feira do Espírito Santo. A notícia consta no artigo intitulado Historial das “Feiras das Mercês”, de J. Magalhães, em que é referido a realização de duas feiras anuais a primeira das quais seria precisamente a do Espírito Santo, em data anterior a 1771.
Outros dados importantes a reter, e para o qual fomos alertados pelo prestigiado investigador Dr. Jorge Teles, é a expressiva iconografia alusiva ao Espírito Santo existente na Ermida das Mercês, por um lado. Por outro, a singularidade dos cargos, transportados à cabeça pelas suplicantes, de rica simbologia cenográfica que os aproximam dos arquétipos usuais nos Festejos do Divino Espírito Santo, nomeadamente nos tradicionais festejos de Tomar.
Apesar da área envolvente, quer da ermida, quer do recinto da feira, apresentar um estado de degradação lastimoso, a que urge acudir, o local é, na actualidade, o maior e mais concorrido Santuário Mariano da chamada Linha de Sintra.