Henrique é um jornalista que trabalha na revista A Esfera*, subsidiada pelos serviços secretos nazis, quando conhece a nova vizinha do lado, Charlotte, uma refugiada austríaca, cuja liberdade e antinazismo lhe vão abrir novas perspetivas. Cada vez mais, Henrique sente-se entre dois mundos antagónicos. De dia, trabalha entre convictos nazis; à noite, está com Charlotte e com Maria Carolina.
O que Henrique desconhecia é que os segredos e os mistérios da vida de Charlotte implicariam uma escolha dramática para os seus destinos.
Licenciou-se em História (1981) e é mestre em História Medieval (1988).Foi Director Científico do Museu do Pão.
Publicou, entre outros, os romances “Anno Domini 1348” (Edição C. M. S., 1990; Prémio Literário Ferreira de Castro 1989; finalista do Prémio Jean Monnet de Literatura Europeia, Cognac 2004 e finalista do Prémio Amphi de literatura Europeia Lille 2005), “As Horas de Monsaraz” (Campo das Letras, 1997), “El-Rei-Pastor” (Campo das Letras, 2000), “Os Rios da Babilónia” (Campo das Letras, 2003), “Retrato de S. Jerónimo no seu Estúdio” (Campo das Letras, 2006)”O Retábulo de Genebra“(Campo das Letras, 2008)”O Destino do Capitão Blanc“(Planeta, 2009) “O Segredo de Barcarrota“(Oficina do Livro, 2011)”O Exílio do Último Liberal”(Clube do Autor, 2012) ou “Dicionário de Insultos“(Planeta, 2014)
O APRESENTADOR
Miguel Real é o pseudónimo literário de Luís Martins, escritor e ensaísta. Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lisboa e Mestre em Estudos Portugueses pela Universidade Aberta, com uma tese sobre Eduardo Lourenço.
Autor de vasta obra literária e de ensaio, é actualmente, colaborador do JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias onde faz crítica literária.Prémio Revelação de Ficção da APE/IPLB em 1979 (O Outro e o Mesmo). Prémio Revelação de Ensaio Literário da APE/IPLB em 1995 (Portugal – Ser e Representação). Prémio LER/Círculo de Leitores 2000 (A Visão de Túndalo por Eça de Queirós). Prémio Fernando Namora da Sociedade Estoril Sol em 2006 (A Voz da Terra).
ENTREVISTA COM SÉRGIO LUÍS CARVALHO
Entretanto, aqui se reproduz uma entrevista em tempo feita pela Alagamares a Sérgio Luís Carvalho, de cuja obra já promoveu sessões de apresentação em Sintra, nomeadamente “O Segredo de Barcarrota” ou “O Exílio do Último Liberal”
O Sérgio Luís Carvalho tem um traço comum na maior parte da sua obra, que é a temática histórica. Fá-lo na preocupação de exactidão narrativa ou como mero pano de fundo das tramas?
Não consigo separar uma coisa da outra. Para mim, mais que uma questão de estilo ou método, é uma questão de seriedade. Se uso uma época como pano de fundo de um romance e se assumo as suas personalidades históricas como minhas personagens (ou mesmo que as inventasse) tenho de manter o rigor factual e a exactidão narrativa. Não posso colocar D. Dinis a comer batatas ou D.Fuas Roupinho a falar em “minutos”.
E se proceder a alterações de monta no rigor e na exactidão para fins narrativos -coisa que posso fazer em nome da liberdade criativa – acho que devo revelar, em nota final, o que é verdade e o que é ficção. Parece-me que outra coisa poderia ser batota. Ou seja, se eu “falsificar” a história, tem de estar implícito nas regras do jogo narrativo que eu “falsifiquei”.
O período histórico em que se especializou é o da época medieval. Acha que é justo considerar do ponto de vista cultural esse tempo histórico como “a era das trevas”?
Creio sinceramente que é uma injustiça histórica. Época difícil, sim. Época pobre, decerto. Mas época das trevas é um erro. Sabem como surgiu o termo Idade Média? Quando os renascentistas se quiseram afirmar, retomando a herança clássica, forjaram o termo para designar a época que os precedeu, como se entre Grécia/Roma e o Renascimento nada houvesse digno de registo. O período entre os século V e XV estava no “Meio”. Contudo, foi pelo diligente trabalho dos monges copistas medievais que os renascentistas e humanistas tomaram conhecimento dos textos e autores clássicos. Além disso, muito do que é atribuído à Idade Média ou é posterior, ou já vinha de trás. Exemplos: a Inquisição começou, de facto na Idade Média, mas teve o seu fulgor persecutório maior após a Contra-Reforma, no século XVI. Em inúmeros aspectos, a situação da mulher (em Portugal) pelo menos, era melhor na Idade Média em questões como violação ou património, que depois. E se alguns pares da Igreja eram misóginos (se eram), que dizer que muitos humanistas? E, já agora, sabiam que nunca nenhuma mulher foi morta por bruxaria, em Portugal? E não é verdade que a Idade Média permitia entre nós os judeus e os mouros, que só foram expulsos nos finais do século XV, isto é, já após este período?
Bom, mas acho curioso que seja a nossa época a enfatizar a Idade Média como “das trevas”, quando existiram mais guerras no século XX que em toda a História anterior, e quando as fomes são hoje desencadeadas por questões político-económicas e não por falta de meios e de alimentos, como na Idade Média. E quanto a questões de intolerância e de fanatismo… Hoje estamos muito bem, decerto.
Quem é o personagem ou tema da História de Portugal sobre o qual gostaria de escrever um livro?
Muitos há. Um deles, veja-se bem, é o antigo alcaide seiscentista de Sintra, André de Albuquerque Ribafria. A história do homem é, ela mesma, uma aventura incrível. E trata-se, sem nacionalismos excessivos, de um dos melhores militares portugueses de sempre.
Sintra está frequentemente presente na sua obra, logo a começar em “Anno Domini 1348”.O que representa para si Sintra no plano da inspiração literária?
Não acredito na “inspiração” literária. Acredito na “inspiração” desencadeada e provocada pelo trabalho constante e diário. Não me inspiro nas brumas da serra ou nas ruínas dos palacetes. Se posso -isso sim- considerar como “inspiração” o conjunto de referências afectivas, emocionais e artísticas que me rodeiam e que me fazem, então Sintra “está lá”. Mas sempre como elemento de um todo.
O que pensa do movimento cultural em Sintra? Que áreas ou assuntos considera mais e menos bem tratados?
Acho que temos muita e boa gente a laborar em prol da cultura. A Alagamares não é um bom exemplo?
Creio que há um grande problema com o nosso património e com a degradação urbana nos centros históricos. Coisa comum a outras terras, aliás. Sei que são áreas sensíveis cuja solução (se há) desconheço. Mas permitam-me este desabafo.
Quais são em sua opinião os romances de inspiração histórica portugueses mais relevantes?
Herculano é como o dedo médio das nossas mãos: o “pai de todos”. Ainda que (talvez) datado, por vezes chato, quiçá um bocadito ultrapassado e “pesado” (tudo mentiras, claro), Herculano está para o romance histórico português como Walter Scott para o romance histórico europeu.
Depois, houve muitos e bons autores e muitos e bons romances. Há muitos e bons. Haverá muitos e bons. A crítica primeiro, o Tempo depois (e de forma definitiva) dirão quais os mais relevantes. E não, esta resposta não é politicamente correcta. É a minha verdade.
Acredita na afirmação de que todos os livros são autobiográficos e no fundo se escreve sempre a mesma história?
Sendo certo, seguro e sabido que só posso falar por mim, o que penso é que um autor está sempre em cada personagem sem ser nenhuma personagem. Em cada história, em cada narrativa, em cada personagem, o autor põe as suas referências, memórias, pulsões, visão do mundo, inquietações, medos, anseios, preocupações, desejos, amores e desamores. O autor “está lá”, mas não “é lá”. A resposta sobre a suposta autobiografia em cada livro só pode ser, portanto “nim”.
Por tudo isto, compreenderão que a resposta à segunda parte da questão seja também pouco assertiva. O autor repete, sim, em cada história, as suas referências, memórias, pulsões, visão do mundo, inquietações… Bom, já sabem o resto. Enfim, é o mesmo romance, por certo. Mas não é nunca o mesmo romance.
Como vê o panorama literário português da actualidade?
Está bem e recomenda-se, como sempre assim foi.
Acha que seria útil ou justificada uma Universidade em Sintra, ou uma cátedra de estudos sintrenses?
Vai para aí uma enorme e justificada discussão sobre o valor dos inúmeros cursos que nas nossas universidades se leccionam e sobre o valor de muitas universidades, algumas delas suspeitas de longa data. Longe de mim dar exemplos…
Uma Universidade de Estudos Sintrenses parece-me excessivo.Talvez uma Universidade de Estudos Locais e Regionais, com cursos sobre História Local, Administração Local, Ordenamento do Território, Problemática do Poder Local, Património Regional, Acção Sócio-Cultural em Contexto Local, etc…Caramba, já estou a criar aqui todo um curriculum. Aí, sim, poderia fazer sentido uma cátedra de História e Património Sintrense. Pode-se fazer bons estudos e boa divulgação da História de Sintra fora do contexto universitário, aliás. Porque não? Fala-se sempre tanto da ligação das empresas à cultura, ao conhecimento, à investigação, que me parece curioso que haja quem sorria da hipótese de um seminário de História de Sintra poder ser dado numa empresa… Assim os nossos empresários tivessem essa visão social e cultural das empresas…
Qual a sua opinião sobre o Acordo Ortográfico?
Talvez a minha opinião não seja maioritária nem a mais popular. E é dada como mero utilizador da língua e não como filólogo e/ou linguista, claro. A verdade é que eu sou favorável ao acordo ortográfico, tal como serei sempre favorável ao que una mais a língua portuguesa sem lhe aniquilar as singularidades locais. Neste sentido, apesar de possíveis problemas, eventuais erros ou possíveis lacunas, parece-me que este acordo é um passo em frente, um passo positivo nesse desígnio e um dado positivo na afirmação do português no mundo.