Há em Sintra quem se junte para cantar, confraternizar e espalhar as emoções que a música, sobretudo quando cantada em grupo, proporciona. Alguns deles juntam-se no Coral Allegro, com quem falámos desta vez.
Falem-nos um pouco do Coral Allegro e seu percurso desde a fundação. Como começaram e o que têm feito até hoje?
Nascemos em 1986, mas só no século XXI (2005) houve a oficialização como Coral Allegro – Associação Coral de Sintra.
Nestes 34 anos de atividade, o Allegro tem-se apresentado em nome próprio, ou de braço dado a queridos parceiros, em Sintra, ou transportando a nossa alma saloia pelo país. O nosso repertório é variado, como os públicos que abraçamos.
Para além de uma colaboração regular em concertos de Natal ou outros com a Câmara Municipal de Sintra, participámos nas gravações (1997) do CD duplo “Os Melhores Coros Amadores da Região de Lisboa” e (2010) com o projeto Música POPular Portuguesa. Colaborámos com a Orquestra metropolitana (Libera me – Domingos Bomtempo), Orquestra Sinfonieta de Lisboa (Misa Criolla), com a Banda dos Bombeiros Voluntários de Loures (Missa Katharina – Jacob Haan), colaborámos na ópera cómica “L’Ivrogne Corrigé” – Gluck, com o grupo de teatro Valdevinos – “Teatro de Marionetas”, demos o braço ao grupo ao “Danças com História”, em Sintra. Comemorámos os “400 Anos de Amor Dito e Cantado” (Gulbenkian e U. Lusófona), e celebrámos os 500 anos de Lutero, no MN Arqueologia. Cantámos “Espirituais Brancos-Espirituais Negros” no âmbito duma exposição sobre escravatura em Portugal.
Também nos juntámos ao Coro Ares Novos e ao Coro da Universidade. Católica para cantar Fauré e Jean Racine, e posteriormente os “Musicais da da Broadway” acompanhados pelo combo de Jazz de Pedro Baião, juntando o Coro Geoclaves.
Colaboramos no programa “Ópera na Rua” organizado pela CMS com a Ópera “Dido e Eneias”, no programa Festival de Música de Sintra com a ópera “Summer Sunday”, do contemporâneo Joseph Horovitz, acompanhámos Mário Laginha, Bernando Moreira e o Coro Infantil Sintra Voci do Conservatório de Música de Sintra. No projeto de “concertos inclusivos”, que iniciámos em 2019, demos voz ao Grupo Mãos que cantam (grupo de pessoas com deficiência auditiva) no projeto conjunto de Inclusão.
Quantos são os componentes do grupo, e como é feito o “recrutamento” e integração no mesmo?
Dos 25 elementos anteriores ao “confinamento”, permanecem em ensaios 13 pessoas, divididas em dois grupos, um com as vozes agudas (tenores e sopranos), outro com as vozes graves (baixos e contraltos), em amplas salas, com forte ventilação natural, o que a juntar à meteorologia sintrense, impõe um código de vestuário esquimó, a condizer com a máscara.
Entre aqueles cujo negócio faliu, os que perderam trabalho, ou aqueles que perderam a confiança, a fatura do confinamento reflete-se no “emagrecimento”. Atualmente, o Allegro está “non troppo”, mas mantém-se “con espressione“. O recrutamento é feito, quase sempre, junto dos amigos dos coralistas e do maestro, ou dos ouvintes que assistem aos nossos espetáculos. Além da música, partilhamos o interesse pela culinária e afeto, convidando (convidávamos!) muitas vezes o público a juntar-se à tertúlia.

Quais são as vossas preferências de repertório, em termos musicais?
O Allegro junta-se pelo prazer de criar em equipa. São os coralistas que cantam, mas são também eles que (enquanto associados) em colaboração com o Manuel Líbano Monteiro (seu diretor artístico e maestro – um mago da comunhão de ideias e vontades) dirigem a atividade do grupo coral. Assediamo-lo com os apelos mais diversos dos diferentes quadrantes deste cadinho da sociedade em que vivemos. Se a música litúrgica católica é um manancial de História e emoção, a vivacidade telúrica do Gospel ou a contenção da tradição luterana europeia, as experiências emocionais pós-modernas ou o sentir quotidiano da alma lusa, a dor clássica de Dido ou o humor jazzístico de J. Horovitz. Todos os estilos são belos e intensos, se estudados, respeitados e entendidos!
Como veem a vida dos grupos corais na atualidade?
Na atualidade a atividade coral está gravemente limitada, perante as medidas de higiene e isolamento que têm sido propostas. O canto coral ganha com a proximidade dos coralistas, e implica a projeção de uma coluna de ar, com as respetivas gotículas em quantidade superior à de uma respiração em repouso. Acresce a isso que o Coral Allegro tem na sua formação algumas pessoas com idade avançada, ou a viver em proximidade com doentes de risco.
Perante o alerta geral criado, as medidas de proteção têm excedido o obrigatório, realizando-se ensaios com grande distanciamento interpessoal, higienização de mãos e superfícies, ventilação natural acrescida (implicando vestuário de aquecimento!) e uso de máscara. Tudo, para criar confiança e não obstaculizar este encontro social e criativo, tão necessário à saúde de todos nós!
Quais são as vossas ligações a Sintra, e que figuras locais acha serem de destacar nos últimos anos?
Somos de Sintra. É deste espaço geográfico, da convivência nas comunidades religiosas ou culturais, na vivência social e económica que surgem as ligações afetivas que desencantam num amigo o gosto de “comcantar“, a experiência de conhecer uma melodia que parece estranha ou irritante, até se entranhar com o ritmo cardíaco e respiratório, e revelar um sopro de vida.
Desta terra de encontro do mar com a serra, de mitos e cheiros, abrimo-nos ao encontro com os ritmos de outras latitudes, latentes ou latejantes.
“O Allegro não fecha a porta, e tem sempre “um caldo verde, verdinho, a fumegar na tigela”, para quem venha por bem!”
O que ainda não fizeram que não quisessem deixar de fazer no campo artístico?
Há projetos que estavam iniciados, com trabalho já realizado, e que ficaram “confinados” a um futuro banhado pelo medo. Projetos com grupos sociais carenciados, ou pelo isolamento geográfico ou pela marginalidade. Estamos certos de que esse trabalho seria uma oportunidade geradora de bem-estar e saúde. Relativamente a outras oportunidades, gostaríamos de reforçar a colaboração com o campo dramático, eventualmente a literatura…
O Allegro não fecha a porta, e tem sempre “um caldo verde, verdinho, a fumegar na tigela”, para quem venha por bem!
Qual a importância das redes sociais na divulgação dos artistas? O streaming pode matar os espetáculos ao vivo, ou será um mero expediente decorrente da presente situação?
“Video killed the radio star!”? Nós achamos que não. Todos os meios de comunicação são ferramentas válidas, para que o pânico não delapide ainda mais as redes de criação e relação. Vemos nesses meios uma oportunidade de reposição da ligação afetiva, tão ameaçada num clima social em que instituições impõem a higiene material. Somos gente, e só na relação é que o nosso coração bate!
Qual a vossa agenda para os tempos mais próximos? Como vos afetou a situação decorrente da pandemia?
A nossa agenda é, neste momento, um espaço virtual! As medidas de confinamento e o clima social de restrição de atividade foram vividas com angústia entre assalariados e reformados, alguns com receio de redução de rendimento. Já entre pessoas que investiram os sonhos e os proveitos num negócio, ou entre aqueles que iniciavam a sua vida ativa, o confinamento soou como um “toque de finados”. Tivemos baixas de imenso valor artístico, e que representam um abalo emocional neste grupo social de partilha e afeto.
“Faremos o que estiver ao nosso alcance, para divulgar o nosso amor pelo canto”
Que atitude proactiva entende dever ser a dos artistas e agentes culturais que neste microcosmos que é Sintra vivem ou sobrevivem? Tem alguma sugestão de evento ou iniciativa que pudesse ser levada a cabo, num quadro de otimização de energias?
Assim como o Allegro está aberto às diferentes sensibilidades que o constituem, achamos que a resposta à crise está na resposta ao sentir do público. Com o mesmo esforço que dedicamos à compreensão de uma obra com espessura e complexidade, abraçamos o sentir de quem nos queira escutar, que queira viver uma experiência emocional/intelectual connosco.
Abraçamos a curiosidade e o entendimento. Faremos o que estiver ao nosso alcance, para divulgar o nosso amor pelo canto, as nossas raízes e o que de melhor possamos fazer pelos que nos rodeiam.
Ver sobre o coral Allegro em https://coralallegro.wixsite.com/acsintra/sobre
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Entrevista de Fernando Morais Gomes