Entrevista com Peter Kember, aliás Sonic Boom

A viver em Sintra por paixão, falámos com Peter Kember, compositor e músico de rock alternativo, vocalista de bandas como os Spaceman 3, ou atuando a solo como Sonic Boom.

Quem é o Peter Kember?

Nasci em 19 de novembro de 1965 e sou também conhecido pelo meu nome artístico, e sou cantor e produtor. Fui fundador, membro, vocalista e guitarrista da banda de rock alternativo Spaceman 3, que durou de 1982 até 1991, data da sua dissolução. Presentemente vivo em Sintra.

Fiz a produção do aclamado álbum dos MGMT Congratulations, dos álbuns dos Panda Bear Tomboy, e Panda Bear Meets the Grim Reaper, e de sete álbuns dos Beach House, entre mais de cem gravações e cd’s.

A solo, e como Sonic Boom, lancei Spectrum and E.A.R. (Experimental Audio Research), e toquei ao vivo com todos eles. Mais recentemente, entre 2008 e 2011, como Spectrum, sendo as aparições como Sonic Boom em promoção do LP All Things Being Equal, com que fiz tours na América e Europa. Toquei e colaborei também com inúmeros artistas, como Delia Derbyshire, Kevin Shields, The Silver Apples, Stereolab and Yo La Tengo.

Como nasceu o interesse pela música, e em particular pelo teu estilo de música?

Creio que tal como muitas pessoas nascidas nos sixties, as minhas memórias musicais vêm da rádio, sobretudo da rádio que se ouvia nos carros. Os meus pais também tocavam em casa, e artistas como os Beatles, Beach Boys, Buddy Holly, Sam Cooke & the Kinks foram alguns dos meus favoritos na época.

Quando tinha treze anos, interessei-me por modulações de repetição e minimalismo, quando andava na escola em Rugby, Inglaterra. Comecei a achar que tinha uma forte atração por música que usa drones, e que tem uma nota em comum com todas as cordas usadas. Percebi que muitas das minhas músicas favoritas continham esse fenómeno, e achei que era um território onde me poderia aventurar e trabalhar. Tenho também uma forte memória da música dos Dr Who, e como, quando criança, ela me transfigurava e aterrorizava. Ainda hoje me deixa os cabelos em pé, era um poderoso medicamento para uma criança daquele tempo.

Fala-nos um pouco da tua carreira até ao presente

Não lhe chamaria carreira, será mais um ver-me no retrovisor, acho eu. Nunca diferenciei a música da minha vida, e não olho para ela como trabalho. Aliás, considero-me empregado de mim mesmo. O meu modus operandi consiste em trabalhar, mas sem repetir sistematicamente a mesma coisa. A minha natureza é ser fiel a um registo, mas reconheço que a variedade tem produzido os meus melhores resultados. Verdadeiramente, gosto da variedade com que trabalho, e creio obter e aprender muito quando trabalho com outros artistas com os quais me sinto em sintonia.

Se tivesse trabalhado apenas na minha música durante os últimos quarenta anos, teria dado em louco. Gosto de fazer coisas que façam sentido para mim, e gosto quando acontecem, mas não sinto a compulsão para estar sempre a gravar discos. Tudo no mundo da media deve ser o mais possível elegante, e providenciar aos outros uma certa harmonia.

Como vês a música que se faz hoje?

Não sou grande fã do Spotify, música da Apple, ou música de consumo. Muitas das coisas que mais aprecio são aquelas que não planeei, e que simplesmente foram acontecendo. A massificação da música não tem, quanto a mim, produzido novos movimentos musicais desde os que surgiram na década de cinquenta, com a explosão da cultura pop. Mas há sempre algo interessante a acontecer, e estamos a sair do tempo do faroeste quando o free download quase fez colapsar a indústria musical. Como sinal positivo, fez também desaparecer muitas das etiquetas que exploravam os artistas de forma imoral.

Que artistas aprecias mais?

Gosto de música muito diferenciada, Ligetti, ou Sam Cooke, podem transportar-me até lugares mágicos. Gosto de doo wop& r&b dos anos cinquenta, do pop dos anos sessenta, motown , Stax soul , Phil Spector & Joe Meek , da new wave dos anos setenta , punk , kraut rock & Eno & Roxy Music , alguma música para dançar, old disco , mas  também delta blues stuff, e da memphis scene. Gosto de jazz, Alice Coltrane, Flying Lotus, e muitos contemporâneos, alguns deles com quem trabalhei.

Qual foi o momento mais alto da tua carreira, ou ainda não aconteceu?

Creio que foi quando usaram o tema Big City dos Spaceman 3, que escrevi, e foi usado no episódio inaugural de uma das temporadas dos Simpsons, alguns anos atrás. E também quando trabalhei com Delia Derbyshire, que gravou um tema dos Dr Who de que falei atrás. Trabalhar com Simeon, dos Silver Apples, foi profundo, também, mas de um modo geral tenho boas recordações de todas as bandas com quem trabalhei.

Qual a tua opinião acerca do uso das plataformas digitais e do streaming, em vez do contacto direto com o público?

Eu uso os meios digitais para manter-me em contacto com todos, mas não há dúvida de que a atuação ao vivo é muito importante para um artista da área da música

E como vez o mundo da música no pós Covid 19?

Não sei se haverá um pós Covid. Penso, que, como aconteceu com o 11 de setembro, terá impacto, e haverá uma inércia inicial. Vamos perder muitos eventos, e tudo será mais difícil para quem aparecer de novo, e que as formas de experienciar a música de forma remota serão uma realidade. Veremos como será para o ano. Em setembro fiz três concertos aqui em Portugal, com distanciamento social, e foi estranho. Veremos.

Porque vieste para Portugal? E o que sabes da música e dos músicos portugueses?

Estava a trabalhar com Panda Bear, um músico e cantor americano que vive em Lisboa há alguns anos, e fiz alguns shows com ele. Gostei da vibração, do tempo, a luz e a paisagem são especiais aqui. Estava à procura de um sítio para onde me mudar com a minha mulher que fosse diferente, e quanto a mim, Portugal escapou mais da globalização a que hoje se assiste noutros países.

Não queria viver numa cidade, mas queria estar perto duma, além de que queria um sítio com espaço exterior. Acabámos por encontrar esse sítio em Galamares, e a paisagem e fauna diversificadas apresentaram-se altamente sugestivos. Apanhar o elétrico para a Praia das Maçãs em setembro é verdadeiramente relaxante, e eu sabia que dificilmente encontraria um sítio ambientalmente tão positivo para fazer a minha vida. Também sempre gostei da ideia de viver numa ambiência tipo selva, como Sintra, onde se podem fantasiar ambientes tropicais, com as suas diferentes plantas exóticas. Gosto imenso.

Não conhecia nada da música portuguesa, ou bandas, antes de vir para cá, até porque pretendia ficar anónimo o mais possível. É bom ser reconhecido na rua, mas também aprecio o anonimato. Já masterizei um LP para os Iguanas, uma banda que acho excelente, mas o meu trabalho de estúdio aqui, por agora, tem sido com algumas bandas americanas e dinamarquesas.

Que planos tens para concertos ou novos projetos, nos tempos mais próximos?

 Os espetáculos do meu novo LP foram todos cancelados, para já. Acho que é tempo de sair para fora da tempestade, e não tenho planos para grandes viagens de avião, até porque as mesmas significam tornar mais tóxico e envenenado o nosso ecossistema.

Um sonho ainda não realizado

O meu primeiro foco é o meu jardim. Gosto de cuidar das plantas, e sobretudo das que precisam de tratamento. Tento viver os meus sonhos o melhor que posso, e tenho sorte de poder trabalhar com gente muito interessante. Não há sítios perfeitos no mundo para as minhas experiências, mas muitos têm uma transcendência que fazem da minha vida um sonho envolvente. Guy Manuel de Homem Christo, dos Daft Punk, disse-me que achava Sintra o sítio mais místico do mundo, e tenho de concordar. O fenómeno climático é verdadeiramente especial e muito gratificante.

Muitas vezes olho para a paisagem, e parece-me a quinta essência das velhas produções teatrais, penso em Hans Christian Andersen, Alistair Crowley, Lord Byron, Christopher Isherwood e Arthur Conan Doyle, e sinto que vivo num sonho.

Uma mensagem para os artistas e músicos de Sintra, e para quem trabalha no mundo da Cultura

Creio que agora, mais que nunca, temos de desempenhar um papel no sentido de provocar a mudança. Vemos muitos dos problemas que hoje enfrentamos derivado ao facto de durante muito tempo termos dado o nosso modo de vida como garantido. Penso que temos de educar e informar as próximas gerações, para não cairem nas mesmas ratoeiras em que nós caímos, ao olhar apenas para os interesses financeiros, e num registo que só pode levar à destruição. Os nossos níveis de consumo tornaram-se insanos, e sem acordo quanto à sustentabilidade global, não é preciso ser um génio para perceber que se deve instilar nas crianças que há melhores coisas a que aspirar do que ter um grande carro, ou enveredar pelo consumismo aditivo.

É importante descartarmos muito do que fazemos. Somos culturalmente poderosos como artistas, e acredito que é importante tentar projetar positividade e bom espirito, e usar o poder dos artistas para mobilizar, converter e, se possível, inspirar.

Entrevista e tradução de Fernando Morais Gomes

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