Salomé Pais Matos, a harpista camaleónica

Quem é a Salomé Pais Matos?

É uma mulher nascida nos míticos anos 80, em Lisboa, e que se desdobra em várias camadas formadas pelo seu trajeto ao longo da vida. Passou por um curso tecnológico de Eletrónica, competiu na área da dança Hip-Hop, formou-se em Educação Física e Desporto, e a Música foi sempre o fio condutor e permanente no seu caminho.

Como surgiu o gosto pela harpa?

Nem sei bem, apenas me recordo de que pelos meus 12 anos estava fascinada com a sonoridade da harpa. Na transição para a Escola Secundária consegui convencer os meus pais a concorrer ao Conservatório, onde fui admitida no curso de Harpa, para minha grande alegria, e preocupação dos meus progenitores. Bem tinham razão para tal, pois nunca mais deixei a Música.

Fale-nos um pouco do seu percurso artístico

A minha formação de base foi no Conservatório Nacional de Lisboa, e nos últimos anos o apoio da Prof. Andreia Marques foi crucial para a minha inserção na vida profissional, pois tive um duo com ela, que me deu a possibilidade de aprender mais sobre o contexto de trabalho na área artística, e no último ano de curso participei no musical “Música no Coração”, que me deu a experiência de atuar diariamente ao vivo. Este início deu-me uma bagagem de horas de palco privilegiadas. Com a minha entrada no Conservatorio Giuseppe Verdi di Milano, para o Mestrado em performance solística, começaram a surgir mais convites. A Associação Sintra Estúdio de Ópera convidou-me a realizar diversos concertos a solo, momento em que comecei a desenvolver a carreira enquanto solista.

Ainda a estudar fora, surgiram mais contactos, iniciei a minha colaboração com o Nuno Feist, que se mantém até aos dias de hoje. Quando regressei a Portugal conheci o Victor Gama (músico, compositor, criador de instrumentos), com quem toco desde 2010, e onde posso explorar o meu lado multi-instrumentista, comecei a trabalhar com as Orquestras Sinfónica Portuguesa, Metropolitana, Gulbenkian, Clássica do Centro, Clássica da Madeira, Clássica do Sul, pontualmente com algumas Orquestras estrangeiras e com ensemble de Música de Câmara, etc. Tenho gravado com artistas de diversas áreas da Música, realizado alguns trabalhos ligados ao cinema, fotografia, dança e até à banda desenhada.

Este lado camaleónico da arte, que me proporciona ser diferentes “Salomés”, é o mais cativante e que quero muito continuar a explorar.

Como vê o panorama da harpa em Portugal e no mundo?

O panorama da Harpa em Portugal tem melhorado muito nos últimos 10 anos, sendo que quando fui para Milão nem curso superior de Harpa existia por cá. O trabalho e empenho das várias colegas professoras da Harpa tem sido crucial neste sentido. Não sendo um país com tradição no instrumento, temos conseguido formar alunos a nível de Conservatório que conseguem lugares em escolas internacionais

Quais são os executantes e talentos que mais aprecia?

Existem tantos colegas talentosos que seria injusto destacar alguém. Aprecio todos os que tocam com emotividade e colocam a sua personalidade na Música para comunicar com quem os ouve.

Quais foram os espetáculos em que lhe deu mais prazer participar?

Já tive situações muito diversas e bonitas com muitos concertos, um dos que mais sensibilizou foi no Rio de Janeiro. Depois de fazer o meu concerto tinha de aguardar pelo transporte para o hotel e, além de todo o carinho do público, demonstrado no final do concerto, tive o gesto de uma senhora que, após assistir ao espetáculo foi a casa e regressou com uma pequena caixa de brigadeiros caseiros como agradecimento pela forma como a música a tocou. Os brigadeiros eram maravilhosos, mas o mais importante foi o prazer que tive em saber que ofereci algo de bom à senhora e ela teve esta ação comigo. A arte tem 2 vias, a do artista e a do público, quando estas se ligam a música serve o seu propósito de fazer sentir.

Como vê a situação da música em Portugal?

É sobejamente conhecido o escasso apoio à cultura em Portugal, independentemente desse facto, a Música vive do público e, como tal, se a conseguirmos apresentar de uma forma mais próxima, e até realizar um papel de dar a conhecer de forma positiva diferentes estéticas/estilos, a Música, em especial a erudita, passará a chegar e a ser apreciada por um público mais abrangente, quebrando o preconceito de que se dirige a um nicho de pessoas. O regime articulado no Ensino Especializado da Música tem realizado um papel muito importante na formação de um público mais informado e próximo da cultura musical e, sendo professora de Harpa, tento incutir a importância da Música na vida das pessoas, tanto como ouvintes, amadores ou profissionais.

Qual a sua opinião sobre os concertos em plataformas digitais e em streaming?

É uma via que se expandiu com a pandemia, pode ser um meio facilitador para quem não pode assistir presencialmente a um concerto, contudo a experiência de um concerto ao vivo (de sentir o ambiente da sala, as ondas sonoras no nosso corpo) não é substituída. Na perspetiva do músico, pode ser um meio de trabalho e desenvolvimento de carreira, desde que estejam respeitados os direitos de autor e de interpretação.

Como vê a música num mundo pós Covid?

É difícil de perceber, pois ainda vivemos em pandemia, mas julgo que voltará pouco a pouco ao normal, pois a atividade cultural acabou por ter a sua importância reafirmada perante uma situação de confinamento.

Está a utilizar o crowdfunding para o seu novo trabalho. Fale-nos dele, e já agora, das virtudes e problemas suscitados pelo crowdfunding.

 “harpaXXI.pt” é um projeto que comporta diversas obras de música portuguesa deste século, escritas para harpa a solo.

Tem como objectivos:

  • Diluir a imagem conservadora do instrumento, tornando-a mais eclética;
  • Promover:
    • o instrumento;
    • a escrita contemporânea para harpa;
    • a composição portuguesa;
    • a diversidade de perspetivas sobre a cultura portuguesa.

Pelas suas potencialidades sonoras, pretendo realizar uma divulgação abrangente e inclusiva ao nível do grande público, quer na sua vertente performativa a solo, quer no plano da estética contemporânea no instrumento, diluindo as suas representações mais naturais.

O projeto teve origem no desafio que apresentei a vários compositores. Tal, resultou num programa apresenta com elevada diversidade de ambientes, resultante da liberdade de interpretação sobre o tema “Portugal”.

Foi um projeto que iniciei em 2016, enquanto solista e professora de harpa, senti que junto dos compositores há uma ideia de que é difícil escrever para harpa, por outro lado a música contemporânea acaba por não ser muito tocada ou divulgada. Um harpista que vá a uma loja de partituras terá muito mais facilidade em escolher tocar determinada obra se esta já estiver gravada e se a puder ouvir. Portanto, trabalhei com os compositores, e o grande objetivo, além da edição deste CD, é conseguir ter as partituras também publicadas.

Sendo um projeto sem apoios externos, surgiu a necessidade de realizar o Crowdfunding. Desta iniciativa surgiram patrocínios da Camac Harps, a marca da minha harpa, e o apoio na divulgação pela Antena 2. Quem tem seguido o meu percurso também está a dar o contributo, aproximando cada vez mais o CD de ser uma realidade. O Crowdfunding também já permitiu dar a conhecer o projeto a mais pessoas, o que é um aspeto muito positivo. Estou confiante que ao ouvirem o CD editado, este terá ainda mais projeção, a qualidade das composições fala por si.

Tem ligações musicais a Sintra? Onde já atuou? Quer realçar algum espetáculo ou artista com quem tenha cá trabalhado?

Sim, a Associação Sintra Estúdio de Ópera teve um papel importante no arranque da minha carreira de solista, com eles já toquei em diversos locais no Concelho de Sintra como no Centro Cultural Olga Cadaval, Igreja de São Pedro (com a organização da Associação Cultural Alagamares), Auditório António Silva, Casa da Cultura Lívio de Morais, etc. Desde 2010, que colaboro com o Victor Gama, em diversos projetos multi-instrumentistas da Pangeiart, o qual tem a sua base em Almoçageme.

O que falta ao movimento cultural para ter mais peso e visibilidade?

Maior divulgação, por diversos meios, e em parceria com as instituições e comércio local. Por exemplo, se um teatro local vai ter um espetáculo, este deve estar divulgado em cartazes pela região. Houve um concerto que realizei numa pequena cidade no Portugal profundo, em duo de harpa e voz, e à entrada, saída e pelas ruas o concerto estava anunciado, chegou a informação aos habitantes e, quando chegou à hora do concerto, a sala estava esgotava.

Qual a sua agenda mais próxima?

Os próximos concertos serão no dia 8, um concerto em duo com violino, inserido na Temporada da Música de Benavente, na Igreja dos Foros da Charneca, e no dia 19, inserido no Festival de Música e Imagem de Loulé, o espetáculo “VELA 6911”, com Victor Gama e a Orquestra Clássica do Sul, no Cine-teatro Louletano.

Indique-nos um sonho profissional que gostasse de realizar

O meu sonho é continuar a fazer a arte em que acredito, a ser desafiada com projetos diversificados e penso que tenho sido abençoada com esta realidade.

Site https://www.salomematosharpa.com/

Num concerto promovido pela Alagamares em Sintra:

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