Sintra, século XXI: que Romantismo nos resta? foi o título e tema da comunicação de Nuno Miguel Gaspar ao VIII Encontro de História de Sintra que aqui reproduzimos, com convite à reflexão

Não pretendo alongar-me nesta minha prelecção, mesmo porque aquilo que aqui venho propor é, apenas, uma reflexão e nem tanto um exercício de oratória. Interessa-me, sobretudo, que se interroguem certos lugares-comuns; respeitantes aos matizes estéticos e culturais com que nos fomos habituando – quase inconscientemente – a classificar Sintra e as suas “vizinhanças” geográficas. E, isto, sem colocar na equação as áreas que, sendo parte do município, se desenvolvem para sudeste da vila e da sua serra, constituindo-se, no presente, como uma das zonas mais populosas das suburbanidades da cidade de Lisboa; já que tal nos levaria para outros debates que, não obstante o seu inegável interesse, pela complexidade fenomenológica que apresentam excederiam, largamente, o âmbito daquilo que aqui proponho.
Pelo que fica dito, a sugestão que deixo é para que anotem, de alguma forma, as questões ou comentários que se vos apresentem, para que no final desta – expectavelmente breve – exposição, elas possam ser partilhadas.
Posto isto, vamos ao que interessa.
Ao final do primeiro quartel do século XXI e decorridos trinta anos desde a atribuição da classificação de Património Mundial – ou Património da Humanidade –, na categoria de Paisagem Cultural, a uma parte do território sintrense – que engloba, sobretudo, a sua Serra e a orla costeira – como estamos e o que aprendemos – quanto à sua gestão, preservação e subjacentes planeamento e divulgação? Qual o legado que, nessa perspectiva, estamos a construir?
[Perguntas retóricas, para reflexão, pelo que não carecem de respostas]
As paisagens culturais são espaços que resultam da interação entre a natureza e a ação humana, onde a cultura se manifesta através de tradições, práticas e construções. São “obras conjugadas do homem e da natureza”, como define a UNESCO. A paisagem cultural reflecte a história, a evolução das sociedades e a adaptação ao ambiente ao longo do tempo.
Rigorosamente, a “Paisagem Cultural de Sintra”, classificada pela UNESCO em 1995 como Património Mundial da Humanidade, corresponde a uma área de 946 hectares, com uma área envolvente de 3640 hectares, a qual, segundo a Lei Portuguesa, deve ser considerada como uma “Zona Especial de Protecção” – ZEP (ou zona tampão na designação da UNESCO). A ZEP inclui a encosta sul das colinas de Sintra até ao limite entre os dois municípios de Sintra e de Cascais; estende-se para o oeste até o litoral. A norte e a oriente, a zona tampão é consideravelmente menor.
A PSML foi criada em 2000 para garantir «uma administração coesa deste património, de que depende a ‘integridade fundamental do sítio’ reconhecida pela UNESCO» e foi confirmada em 2007, pelos Ministérios do Ambiente e da Cultura como autoridade responsável pela conservação do Património Mundial e sua representação perante a UNESCO.
A complexidade dos activos abrangidos na Paisagem Cultural + Zona de Protecção, combinada com a diversidade de partes interessadas privadas e de instituições públicas com responsabilidades na gestão do Sítio e da Zona de Protecção, tornam particularmente exigente a coordenação entre todas as entidades.(1)
Não cabe aqui versar, ou fazer juízo, sobre o sistema de gestão da Paisagem Cultural de Sintra ou a sua operacionalização, já que, para além das questões técnicas e administrativas, a sua execução adentra o contexto político e, tal facto, faz com que o nosso arbítrio opte por o deixar fora de quaisquer considerações.
O Romantismo foi um movimento artístico e intelectual que se originou na Europa no final do século XVIII.
Caracterizou-se, essencialmente:
- Pelo primado da imaginação;
- Pela ênfase na emoção e individualismo;
- Na glorificação do passado e da natureza, preferindo o medieval ao clássico;
- Na busca por um mundo idealizado, em contraste com a realidade frequentemente vista como fria e decepcionante. A vida rural era retratada como uma forma de vida mais natural e autêntica, em contraste com a artificialidade da cidade. O campo era visto como o lugar onde a essência do povo e da cultura nacional se preservava;
- Na busca por experiências que transcendam a realidade, que despertam emoções intensas e que remetem a algo maior, superior, quase divino. O sublime, nesse contexto, é a experiência de algo vasto, inefável, que inspira admiração e, ao mesmo tempo, um sentimento de insignificância diante da imensidão da natureza ou do universo.
Caracterizou-se, igualmente, por uma atracção pelo exotismo que, na verdade, representa uma forma de escapar dos cânones da cultura ocidental e encontrar fontes de inspiração e beleza em outros lugares e noutras culturas. A cultura oriental, com suas paisagens, produtos, tradições e costumes, foi uma das principais inspirações do exotismo romântico.
Foi mais fortemente incorporado nas artes visuais, na música e na literatura, mas teve também um enorme impacto na historiografia, na educação, nas ciências sociais e nas ciências naturais.
Provocou um efeito significativo e complexo na política: o pensamento romântico influenciou o conservadorismo, o liberalismo, o socialismo utópico, o radicalismo e o nacionalismo.
A arte reflecte a mentalidade de uma época e de uma sociedade, servindo como um espelho das suas crenças, valores e preocupações. Ela expressa a forma como uma sociedade se vê, como interpreta o mundo e como se relaciona com ele. Através da arte, é possível compreender a história, a cultura e as particularidades de uma determinada época.
Nesse sentido, pode bem dizer-se que Sintra é um exemplo marcante de paisagem cultural romântica, onde a combinação de natureza, arquitectura e história reflecte os valores do movimento. Os jardins e palácios, com os seus elementos paisagísticos e arquitectónicos, são testemunhos da influência do Romantismo na cultura e na arte em Portugal.
Face ao que fica exposto, diria que o Romantismo permanece em Sintra, mas Sintra já não o reconhece… quem lá vai já não tem olhos para o ver…
As causas de tal residem, porventura, não no lugar – que à parte de, involuntariamente, ter substituído a tranquilidade contemplativa pelo massificado burburinho – mas, eventualmente:
- No flagrante estreitamento do conceito (Romântico) e na gritante ignorância do mundo actual face ao mesmo;
- Na predominante “erosão” cultural das gentes que o visitam;
- No imediatismo do “viver” dos nossos dias;
- Na falência da imaginação dos indivíduos – por não haver já tempo para o “tédio”;
- Na extirpação do fantástico, no âmbito da sua narrativa histórica…
Precisa-se, diria eu, de um “Neo-Romantismo”, em Sintra e no Mundo…
(1)Fonte: https://qsintra.com/enquadramento/paisagem-cultural-de-sintra/
Nuno Miguel Gaspar
Licenciado em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Mestre em Arte, Património e Teoria do Restauro. Exerce, desde 2001 funções profissionais na Parques de Sintra – Monte da Lua, S.A, membro da direção da Alagamares-Associação Cultural


